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HISTÓRIA
Hostilizada na época do crime, há 40 anos, a cidade faz série de homenagens ao presidente para acertar contas com o passado
Dallas enfrenta a sombra do assassinato de Kennedy
RALPH BLUMENTHAL
DO "NEW YORK TIMES", EM DALLAS
Poucos dias depois de o presidente John Kennedy e seu assassino, Lee Harvey Oswald, terem sido mortos nesta cidade, em novembro de 1963, o general da reserva Herbert A. Hall, residente
em Tucson, colocou um imenso
diploma num envelope ainda
maior e o enviou ao então prefeito
de Dallas, Earle Cabell.
Sobre a menção "cidadão honorário de Dallas", título que recebeu durante a Guerra da Coréia,
em 1951, Hall rabiscou as seguintes palavras: "Devolvido com vergonha e tristeza".
O assassinato de Kennedy chocou o mundo, mas, em Dallas, o
sentimento predominante foi de
vergonha. A cidade imediatamente sofreu os efeitos de uma
sensação de hostilidade, porque
era vista como um ninho de direitistas que odiavam Kennedy.
Nos anos seguintes, Dallas, cidade orgulhosa e que se julgava
superior a suas vizinhas texanas,
não conseguiu homenagear o
presidente morto. Pat Greenwood, um funcionário de seguros
em Houston e ex-morador de Dallas, advertiu o prefeito Cabell que
a edificação de um memorial a
Kennedy, na época em estudos,
"apenas inflaria ainda mais a opinião pública". O prefeito concordou, "com dor no coração", conforme seus arquivos.
Cabell, que morreu em 1975, recebera na época cartas cheias de
ódio. Uma delas sugeria que Dallas fosse rebatizada como Desgraça, enquanto um joalheiro de
Los Angeles escrevia ao prefeito
para dizer que a cidade "fedia".
Alguns defendiam apagar a
mancha da vergonha por meio da
demolição do prédio a partir do
qual o assassino presumivelmente atirou, o deposito de livros das
escolas públicas do Texas.
Na praça Dealey, há um museu,
inaugurado em 1989, que atrai
meio milhão de visitantes por
ano. A prefeitura também discute
a transformação em museu do
prédio no qual Oswald foi morto.
Hoje, dia em que o país lembra
as quatro décadas de assassinato
do presidente, uma cidade diferente se postou na vanguarda das
comemorações.
"Nunca fizemos algo assim", diz
a prefeita Laura Miller, que chegou a Dallas em 1983 como jornalista e se assustou com uma "curiosa resistência" das pessoas em
lembrar, então, o 20º aniversário
do assassinato. Sempre surgiram
propostas de vigília noturna, com
as pessoas segurando velas acesas
ou coisas do tipo.
Mas, hoje à noite, a Sinfônica de
Dallas interpretará "Mass", peça
de Leonard Bernstein, composta
em 1971 por encomenda da viúva
de Kennedy, Jacqueline, para a
inauguração do Kennedy Center,
em Washington.
Ontem, o museu patrocinou
um ciclo de palestras sobre a vida
de Kennedy e, hoje, abrirá uma
exposição com fotografias suas e
de familiares, feitas por Jacques
Lowe, fotógrafo pessoal do ex-presidente, que morreu em 2001.
As imagens serão exibidas em público pela primeira vez. Elas foram obtidas a partir de contatos,
depois que os negativos queimaram num arquivo do World Trade Center, no 11 de Setembro.
Há também uma contínua forma de rememorar o assassinato
na visita anual de 2 milhões de
pessoas no exato local, da praça
Dealey, pela qual o carro presidencial passava no momento dos
tiros. Os guias se referem à trajetória da bala e contam detalhes.
Há dez anos, quando do 30º aniversário, cerca de 60 jornalistas
que cobriram o assassinato foram
convidados para um simpósio,
em seguida transformado em livro.
Alguns não precisarão ter a memória refrescada. É o caso de Marina Oswald, mulher do assassino
que foi em seguida assassinado
por Jack Ruby. Ela ainda mora em
Dallas, tem 62 anos e trabalha numa loja de material militar. "Não
tenho nada a declarar", disse ela, e
bateu o telefone.
Jim Leavelle, 83, um investigador com chapéu de caubói que algemara Oswald e cuja careta de
susto no momento do tiro foi para
sempre capturada em premiada
fotografia, mantém reuniões periódicas com colegas que ajudaram a prender Ruby.
Algumas relíquias são lembradas. Uma delas é a agência da empresa telegráfica Western Union,
onde Ruby entrou para enviar um
telegrama a uma de suas "strippers" de clube noturno, antes de
rumar para a delegacia de polícia,
no mesmo quarteirão, onde assassinaria Oswald.
A prisão do condado e o tribunal ao qual Oswald deveria ter sido levado quando foi morto, e onde Ruby foi condenado por homicídio, em 1964, ainda estão lá,
aguardando reforma, a um quarteirão de distância do local do assassinato.
O mesmo ocorre com uma casinha na rua Beckley Norte em que
Oswald morou. Ou então uma
outra casa por ele ocupada, quando ainda era casado com Marina,
na qual a mulher chegou a trancá-lo certa vez no banheiro, porque
ele queria assassinar o presidente
da Sociedade John Birch, de extrema direita, ou sentira o mesmo
impulso, nos anos 50, com relação
ao então vice-presidente, Richard
Nixon.
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