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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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HISTÓRIA

Hostilizada na época do crime, há 40 anos, a cidade faz série de homenagens ao presidente para acertar contas com o passado

Dallas enfrenta a sombra do assassinato de Kennedy

RALPH BLUMENTHAL
DO "NEW YORK TIMES", EM DALLAS

Poucos dias depois de o presidente John Kennedy e seu assassino, Lee Harvey Oswald, terem sido mortos nesta cidade, em novembro de 1963, o general da reserva Herbert A. Hall, residente em Tucson, colocou um imenso diploma num envelope ainda maior e o enviou ao então prefeito de Dallas, Earle Cabell.
Sobre a menção "cidadão honorário de Dallas", título que recebeu durante a Guerra da Coréia, em 1951, Hall rabiscou as seguintes palavras: "Devolvido com vergonha e tristeza".
O assassinato de Kennedy chocou o mundo, mas, em Dallas, o sentimento predominante foi de vergonha. A cidade imediatamente sofreu os efeitos de uma sensação de hostilidade, porque era vista como um ninho de direitistas que odiavam Kennedy.
Nos anos seguintes, Dallas, cidade orgulhosa e que se julgava superior a suas vizinhas texanas, não conseguiu homenagear o presidente morto. Pat Greenwood, um funcionário de seguros em Houston e ex-morador de Dallas, advertiu o prefeito Cabell que a edificação de um memorial a Kennedy, na época em estudos, "apenas inflaria ainda mais a opinião pública". O prefeito concordou, "com dor no coração", conforme seus arquivos.
Cabell, que morreu em 1975, recebera na época cartas cheias de ódio. Uma delas sugeria que Dallas fosse rebatizada como Desgraça, enquanto um joalheiro de Los Angeles escrevia ao prefeito para dizer que a cidade "fedia".
Alguns defendiam apagar a mancha da vergonha por meio da demolição do prédio a partir do qual o assassino presumivelmente atirou, o deposito de livros das escolas públicas do Texas.
Na praça Dealey, há um museu, inaugurado em 1989, que atrai meio milhão de visitantes por ano. A prefeitura também discute a transformação em museu do prédio no qual Oswald foi morto.
Hoje, dia em que o país lembra as quatro décadas de assassinato do presidente, uma cidade diferente se postou na vanguarda das comemorações.
"Nunca fizemos algo assim", diz a prefeita Laura Miller, que chegou a Dallas em 1983 como jornalista e se assustou com uma "curiosa resistência" das pessoas em lembrar, então, o 20º aniversário do assassinato. Sempre surgiram propostas de vigília noturna, com as pessoas segurando velas acesas ou coisas do tipo.
Mas, hoje à noite, a Sinfônica de Dallas interpretará "Mass", peça de Leonard Bernstein, composta em 1971 por encomenda da viúva de Kennedy, Jacqueline, para a inauguração do Kennedy Center, em Washington.
Ontem, o museu patrocinou um ciclo de palestras sobre a vida de Kennedy e, hoje, abrirá uma exposição com fotografias suas e de familiares, feitas por Jacques Lowe, fotógrafo pessoal do ex-presidente, que morreu em 2001. As imagens serão exibidas em público pela primeira vez. Elas foram obtidas a partir de contatos, depois que os negativos queimaram num arquivo do World Trade Center, no 11 de Setembro.
Há também uma contínua forma de rememorar o assassinato na visita anual de 2 milhões de pessoas no exato local, da praça Dealey, pela qual o carro presidencial passava no momento dos tiros. Os guias se referem à trajetória da bala e contam detalhes.
Há dez anos, quando do 30º aniversário, cerca de 60 jornalistas que cobriram o assassinato foram convidados para um simpósio, em seguida transformado em livro.
Alguns não precisarão ter a memória refrescada. É o caso de Marina Oswald, mulher do assassino que foi em seguida assassinado por Jack Ruby. Ela ainda mora em Dallas, tem 62 anos e trabalha numa loja de material militar. "Não tenho nada a declarar", disse ela, e bateu o telefone.
Jim Leavelle, 83, um investigador com chapéu de caubói que algemara Oswald e cuja careta de susto no momento do tiro foi para sempre capturada em premiada fotografia, mantém reuniões periódicas com colegas que ajudaram a prender Ruby.
Algumas relíquias são lembradas. Uma delas é a agência da empresa telegráfica Western Union, onde Ruby entrou para enviar um telegrama a uma de suas "strippers" de clube noturno, antes de rumar para a delegacia de polícia, no mesmo quarteirão, onde assassinaria Oswald.
A prisão do condado e o tribunal ao qual Oswald deveria ter sido levado quando foi morto, e onde Ruby foi condenado por homicídio, em 1964, ainda estão lá, aguardando reforma, a um quarteirão de distância do local do assassinato.
O mesmo ocorre com uma casinha na rua Beckley Norte em que Oswald morou. Ou então uma outra casa por ele ocupada, quando ainda era casado com Marina, na qual a mulher chegou a trancá-lo certa vez no banheiro, porque ele queria assassinar o presidente da Sociedade John Birch, de extrema direita, ou sentira o mesmo impulso, nos anos 50, com relação ao então vice-presidente, Richard Nixon.


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