São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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MILITÂNCIA
Onze já morreram em protesto contra eventual extradição do líder pró-independência, detido em Roma, para a Turquia
Curdos se imolam em apoio a Ocalan

PAULO DANIEL FARAH
da Redação

Ativistas pró-independência do maior grupo étnico do mundo sem um Estado, os curdos, mobilizam-se desde o último dia 13 para impedir a extradição para a Turquia de Abdullah Ocalan, líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), detido em Roma.
Desde que a Turquia exigiu a expulsão de Ocalan da Síria, em outubro, 27 curdos atearam fogo ao próprio corpo. Onze morreram. Centenas de membros do PKK detidos na Turquia iniciaram greve de fome em apoio a "Apo" (tio, em curdo), como Ocalan é chamado.
Ocalan chegou a pedir, anteontem, aos mais de 6.000 curdos reunidos em Roma, na praça Climontana, batizada pelo grupo de "praça Curdistão", o fim das imolações. "Não quero, de modo algum, que nosso povo continue a protestar colocando fogo em seu próprio corpo. Peço que voltem para casa e para seus locais de trabalho."
Os curdos vêm de Alemanha (onde são cerca de 1 milhão), Suíça, França, Holanda, Dinamarca e EUA para apoiar Ocalan, 49.
O líder separatista curdo foi preso depois de desembarcar com passaporte falso no aeroporto de Roma. Anteontem, a Justiça italiana lhe concedeu liberdade limitada -ele não pode sair da capital, pois a Alemanha pediu sua prisão por atentados cometidos desde 1990.
No mês passado, Ocalan deixou seu refúgio na Síria depois de a Turquia ameaçar iniciar uma guerra contra o país. Em seguida, tentou asilo na Rússia. Recebeu apoio da Duma (câmara baixa do Parlamento), mas não teve êxito com o governo, que preferiu evitar problemas com a Turquia.
Um dos homens mais procurados pela Turquia, Ocalan tem liderado há 14 anos a luta pela autonomia dos curdos na região sudeste do país. Desde 84, mais de 29 mil pessoas morreram nos confrontos entre o PKK e as forças turcas.
A Turquia responsabiliza Ocalan pela violência e exige sua extradição. A Constituição da Itália, no entanto, proíbe a extradição para países onde a pena de morte vigora -caso da Turquia.
"Se nós estivéssemos no lugar dos curdos e aviões bombardeassem nossos vilarejos, se não pudéssemos falar nossa língua e fôssemos obrigados ao exílio, o que faríamos? Provavelmente a mesma coisa", escreveu o jornalista Ahmet Altan no diário turco "Milliyet". Dezenas de intelectuais estão na prisão por defender os curdos.
Ocalan pediu asilo político ao governo italiano, que, segundo o ex-premiê Silvio Berlusconi (oposição), está se envolvendo numa "grande embrulhada".
O premiê italiano, Massimo D'Alema, líder dos ex-comunistas, negou as acusações de um pacto com Ocalan e afirmou que "não é um mistério as relações que os curdos mantêm com os parlamentares italianos". Citou como exemplo uma reunião do "Parlamento" curdo realizada recentemente em Roma.
D'Alema sugeriu uma conferência internacional sobre os curdos, sob a mediação da ONU (Organização das Nações Unidas).
"A Itália corre o perigo de ganhar a hostilidade eterna da Turquia", disse o primeiro-ministro turco, Mesut Yilmaz.
Em Ancara (capital da Turquia), milhares de turcos protestaram em frente à Embaixada da Itália. "Itália terrorista", gritavam.
Ontem, a União Européia respaldou a posição da Itália, que recusa pedido da Turquia de extradição de Ocalan. A união dos 15 países emitiu declaração em que expressa "plena solidariedade à Itália".
Segundo a agência de notícias "Reuters", o líder curdo foi transferido ontem de madrugada de hospital em Roma para um local desconhecido. A informação teria sido fornecida por uma enfermeira do hospital.



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