São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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ENTREVISTA
Líder não teria julgamento justo, diz ativista

da Redação

Se Abdullah Ocalan fosse extraditado para a Turquia, ele seria humilhado e morto. Não teria direito a um julgamento justo. É o que disse à Folha, por telefone, Kani Xulam, diretor da Rede de Informação Curdo-Americana, fundada, em 1993, em Washington (EUA).
Xulam organizou uma greve de fome, em 97, em frente ao Congresso dos EUA, pela liberdade de Leyla Zana, primeira curda eleita para o Parlamento turco (91), condenada a 17 anos de prisão "por traição" e por "promover a destruição da Turquia".
Nascido em Dyarbakir (Turquia), em 60, deixou a região em 80 e estudou relações internacionais na Universidade de Toronto (Canadá). Vive nos EUA, onde se formou em história. (PDF)
Folha - No ano passado, você jejuou durante 32 dias "pela paz no Curdistão" e pela libertação de Leyla Zana. O que mudou?
Kani Xulam -
A situação só piorou. Leyla Zana continua na prisão. Era uma das candidatas favoritas ao Prêmio Nobel da Paz no ano passado. Ainda há muita opressão. Agora, com a detenção de Ocalan, há muita tensão. O Exército está manipulando a população, está exortando os turcos a enviarem faxes gratuitamente a Roma para pedir a extradição dele.
Folha - Vocês estão fazendo algo?
Xulam -
Iniciamos um jejum na entrada da Embaixada da Itália aqui nos EUA e tentamos conseguir o apoio do Congresso.
Folha - E se Ocalan fosse extraditado para a Turquia?
Xulam -
Seria morto, com certeza. Seria humilhado e não teria direito a um julgamento justo. Isso não existe na Turquia.
Folha -Que dificuldades vocês enfrentam?
Xulam -
Não há referência aos curdos na Constituição da Turquia. Não temos o direito de eleger nossos representantes. Quando o fazemos, eles são mortos ou presos. Somos usados como mão-de-obra barata, como soldados nas guerras. Os turcos destroem nossas vilas. A língua curda é considerada ilegal. Só em 1991 disseram que outras línguas poderiam ser faladas, mas nem as nomearam. Falamos nossa língua por milhares de anos, mas não podemos escrevê-la. Posso escrever um livro em inglês, mas não em curdo. Quando você escreve algo em curdo, vai para a prisão. Ou, pior, é sequestrado. Como aconteceu na Argentina. E ninguém nunca mais ouve falar de você. Na Turquia, mais de 2.000 pessoas desapareceram nos últimos oito anos, e cerca de 4.000 pessoas foram mortas no meio da rua.
Folha - Qual sua principal reivindicação? Um Estado curdo?
Xulam -
Sim, é o sonho de todos os curdos. Um Curdistão livre. Já sofremos muito. Queremos que nossas crianças sejam educadas por nós mesmos. Não queremos esquecer nossa língua. Desejamos auto-determinação, e não precisamos de ninguém para nos dizer o que ler, pensar ou fazer.
Folha - Por que os curdos não conseguiram um Estado?
Xulam -
Nossos vizinhos eram mais fortes que nós. E moramos numa região montanhosa, o que torna a comunicação e a organização muito difíceis. O agressor tem as armas da Otan (aliança militar ocidental) e conseguiu nos manipular e oprimir. Agora despertamos, estamos conscientes e lutamos por nossa libertação. É apenas uma questão de tempo e seremos livres.



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