São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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VISITA OFICIAL
Wim Kok chega ao Brasil na próxima quarta, na primeira viagem de um governante da Holanda ao país
Premiê holandês defende pacto social

France Presse
Wim Kok anda por miniatura de Amsterdã; premiê visitará o Brasil


HUMBERTO SACCOMANDI
enviado especial a Haia

O presidente Fernando Henrique Cardoso deverá sentir uma ponta de inveja quando receber o premiê holandês, Wim Kok, que chega em visita oficial ao Brasil na próxima quarta. Em meio à tormenta econômica mundial, a Holanda é um oásis de tranquilidade.
O desemprego é o menor da Europa e está em queda. A balança comercial é altamente positiva. O PIB (Produto Interno Bruto) cresce acima da média européia.
Esse sucesso faz da Holanda o exemplo de que é possível aliar o modelo europeu de bem-estar social a uma economia eficiente e globalizada, num pacto social conhecido como modelo Polder.
Kok concedeu no último dia 11, em Haia (sede do governo), entrevista para jornais dos três países que visitará. Participaram a Folha e a "Gazeta Mercantil", do Brasil, o "Clarín", da Argentina, e o "El Mercurio", do Chile. Leia trechos da entrevista.
² Pergunta - A economia holandesa é caracterizada por uma rígida política fiscal, com uma inflação muito controlada. Mas alguns países da União Européia (UE) parecem agora ir em direção contrária. O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, disse que sua prioridade é o desemprego. O sr. acha que o inimigo mudou?
Wim Kok -
Falo por mim. Conseguimos diminuir a inflação para níveis muito baixos em toda a Europa. Assim, a inflação alta não é mais um problema. Além disso, perseguimos políticas rígidas de controle do déficit público, pois todos os países queriam e querem cumprir os critérios determinados pelo Tratado de Maastricht. Esse é o motivo para sermos hoje uma região muito estável no mundo. Se não tivéssemos perseguido essa política orçamentária, estaríamos numa posição menos sólida.
Pergunta - Mas vocês pagaram um preço social elevado.
Kok -
Isso depende do que você considera social. É social ter déficit alto? É social ter uma dívida alta? É social fazer os seus filhos pagarem por isso? Não vou dizer que somos um exemplo, mas podemos dizer que uma política orçamentária sólida pode conviver com baixo desemprego. No curto e médio prazo, algumas medidas para modernizar a economia e para reduzir o déficit orçamentário podem levar a atritos em termos de emprego. Mas, no longo prazo, você estará melhor se escolher o caminho de reduzir o déficit orçamentário, pois terá mais espaço no Orçamento para programas sociais.
Pergunta - As recentes mudanças de governo na UE, como na Alemanha e na Itália, ameaçam o euro (moeda única européia)?
Kok -
As decisões sobre a introdução do euro já foram tomadas. Isso contribuiu para esse período de crescente estabilidade na Europa. Teremos um euro forte a partir de janeiro, e o euro forte, junto com o dólar e com outras moedas, terá um papel estabilizador na economia mundial num quadro de incerteza devido à crise na Ásia. Uma das melhores contribuições que a Europa pode dar é uma moeda forte e uma parceria estável. Os blocos econômicos não devem olhar só para si mesmos. A Europa sabe que pode proporcionar um futuro bom para sua população, mas esse futuro será ainda melhor se oferecermos uma parceria que inclua a América Latina.
Pergunta - O sr. vai visitar o Brasil num momento difícil. O que espera encontrar e o que sugeriria?
Kok -
Seria indelicado dar conselhos. O Brasil é um grande país, com responsabilidades. Mesmo a Holanda teve períodos de déficit alto. Para reduzir o déficit, no curto prazo, pode ser necessário tomar decisões que nem sempre são populares. Mas, para alcançar um resultado de longo prazo, os remédios ruins podem ser necessários. Acho que é extremamente importante expressar confiança. Para mim, não há motivo para pânico. As condições das economias de Brasil, Argentina e Chile são muito diferentes das do passado. Acho que é o momento de perseguir a política apresentada pelo presidente Cardoso. O resto do mundo pode combinar forças para ajudar, pois juntos seremos mais fortes. Se a crise asiática enfraquecer a economia latino-americana, isso terá impacto no resto do mundo.
Pergunta - Que melhoras o sr. gostaria de ver?
Kok -
O estilo europeu é diferente das experiências latino-americanas. Nossa experiência pessoal é que, nos tempos em que o desemprego era insuportavelmente alto, quando o déficit público era alto, quando a inflação era alta, foi necessário fazer escolhas claras sobre quais eram as nossas prioridades como sociedade. O que queremos? Queremos ter crescimento sustentável e emprego sustentável no longo prazo? Se queremos isso, o que as partes envolvidas, os empresários e os sindicatos, devem fazer? As políticas do governo são importantes, mas como os sindicatos e os patrões estão definindo essa responsabilidade? Houve anos em que os trabalhadores holandeses abdicaram de aumento real nos salários, mas fizeram uma negociação com os empregadores sobre estabilidade, treinamento, maior lucratividade, criação de postos de trabalho onde era possível e redistribuição dos horários de trabalho para ter mais gente trabalhando.
Pergunta - O sr. está falando do modelo Polder?
Kok -
Isso é parte do modelo Polder. Há outras experiências, em outros países. Mas a lição é que é importante criar algum tipo de consenso, de orientação comum sobre o futuro.
²


O jornalista Humberto Saccomandi viajou a convite do governo da Holanda



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