São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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VENEZUELA

Em entrevista, presidente não descarta antecipar eleição, mas diz que "chantagem na democracia é inaceitável"

Chávez diz manter contato com oposição

Esteban Felix - 19.dez.2002/AP
Cháves enxuga o rosto durante encontro em estádio em Caracas


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

O presidente venezuelano Hugo Chávez está mantendo contatos sigilosos com representantes da oposição, que ele classifica como "não-golpistas", mas cujo nome prefere não revelar, para evitar que se queimem junto aos demais grupos opositores.
"Se der nomes, essas pessoas podem acabar sendo pressionadas e condenadas pelos meios de comunicação", diz o presidente.
A informação foi dada pelo próprio Chávez em entrevista à Folha e à Agência Estado, na madrugada de anteontem, no Palácio de Miraflores, a sede do governo transformada em uma fortaleza como prevenção para a hipótese de a marcha oposicionista daquele dia tentar chegar ao palácio (não tentou).
Essas conversações são o mais claro indício de que, sob a turbulenta superfície da crise política, há um ensaio de negociação que pode desembocar, como a Folha havia mostrado na sexta-feira, em eleições antecipadas.
Chávez, aliás, deixou abertas todas as portas, na entrevista aos jornalistas brasileiros, desde que não se viole a Constituição Bolivariana. O presidente tirou do bolso um exemplar em miniatura da Carta aprovada em plebiscito e manteve-a nas mãos durante quase toda a entrevista, citando-a repetidas vezes. A conversa com Chávez havia sido marcada para as 22h de quinta-feira, mas só começou três horas depois, para terminar às 2h da sexta-feira.
Mesmo nesse insólito horário, seu gabinete continuava movimentado, especialmente pelo nutrido corpo de agentes de segurança.
O presidente fumou dois cigarros Belmont e compartilhou com os entrevistadores um pedaço de bolo com compota de fruta, água e café.
O longo dia e a crise prolongada não pareciam ter cansado Hugo Rafael Chávez Frias, 48, tenente-coronel da reserva e pós-graduado em ciência política, que tentou chegar pelo golpe de Estado em 1992 ao palácio que agora ocupa.
Derrotado, foi preso, saiu dois anos depois e acabou chegando a Miraflores pela via das urnas, com os 56,24% dos votos obtidos em dezembro de 1998.
Convocou uma Assembléia Constituinte e revalidou seu mandato em julho de 2000, com mais votos ainda (59,5%), o que lhe dá mandato até 2006, se a crise for superada. Se não for e houver eleição antecipada, será candidato, como deixou claro.
Mas já não conta com o voto de sua ex-mulher, Marísabel Rodríguez, com a qual teve cinco filhos e que, recentemente, se uniu ao coro oposicionista. Leia os principais pontos da entrevista.

Pergunta - O sr. ganhou todas as consultas populares nos últimos três ou quatro anos. Por que, então, não fazer ou eleição ou o referendo antecipado para distender a situação?
Hugo Chávez -
Tudo está aqui [tira do bolso um exemplar em miniatura da Constituição Bolivariana". Todo país democrático que se respeite tem uma Carta Magna. Quanto custou esta Constituição? Anos de luta para nos trazer um projeto nacional.
Aqui há uma série de normas que têm de ser assumidas por todos. É a única forma de viver na democracia. Não se pode viver na democracia com chantagens ou com ameaças de colocar um revólver na fronte do presidente para dizer-lhe: convoque eleições.
A idéia de chantagem na democracia é inaceitável. Esta Constituição é a única no continente que prevê, na metade do mandato [do presidente", um referendo revogatório para dar ao povo, o dono do poder soberano, o poder de decidir se o eleito esteve ou não à altura das expectativas.
Há três maneiras, aqui, de convocar o referendo revogatório: primeiro, o próprio presidente pode convocá-lo, ouvido o conselho de ministros; segundo, o povo, por meio de iniciativa popular, coletando assinaturas de até 20% dos inscritos no Registro Eleitoral; e terceiro, a Assembléia Nacional, por um número determinado de seus integrantes [é o novo Congresso unicameral".
Essa é a via que está aí. Estamos na metade de dezembro já. A metade do meu mandato se dá no dia 19 de agosto de 2003. Quer dizer, estamos a oito meses da data estipulada pela Constituição para o referendo revogatório.
Isso é o que tem de assumir toda a oposição séria, e não ficar fazendo movimentos desestabilizadores, golpistas, fascistas, ou chantagens para romper a Constituição.

Pergunta - Existe alguma possibilidade, mesmo que mínima, de fazer uma emenda à Constituição que permita antecipar as eleições?
Chávez -
A possibilidade, mesmo mínima, a Constituição dá, sempre e quando se cumpram os termos do mandato constitucional. O uso e abuso dos princípios democráticos, da liberdade de expressão e do poderio econômico por um grupo da sociedade para fazer chantagem, exigindo a inclusão de uma emenda já, não é democracia, é terrorismo.
Um grupo de deputados na Assembléia Nacional já introduziu um anteprojeto de emenda, que precisa cumprir um processo. Se a Assembléia aprovar, por maioria simples, então será necessário um referendo. O povo é quem deve dizer sim à proposta de emenda, que pode até reduzir ou ampliar o período do mandato, adiantar a data do referendo revogatório etc. Tudo isso é possível desde que se cumpra o mandato constitucional. Nenhum desses caminhos está fechado.

Pergunta - Se for seguido todo esse caminho constitucional, o sr. seria candidato novamente?
Chávez -
As pesquisas que menos me favorecem, normalmente conduzidas pela oposição, indicam uns 30%. Já os meus concorrentes potenciais mais próximos têm no máximo 12% ou 15%. E nós temos um apoio popular sólido. Assim, é muito provável que eu seja, sim, candidato à Presidência.


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