São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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Governo Lula definirá rumos para a região

DA REDAÇÃO

O Brasil sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva será um importante teste para a democracia na América Latina, segundo os estudiosos ouvidos pela Folha. "Como o maior país da região, o rumo do Brasil deve definir o rumo dos outros países. Enquanto o Brasil permanecer estável, não vejo condições para uma onda de golpes na América Latina", diz Octavio Amorim Neto (FGV-RJ).
De acordo com os entrevistados, o Brasil está na contracorrente da maior parte dos países latino-americanos porque exibe, no momento, grande vigor democrático. São vários os fatores que justificam essa análise.
Em primeiro lugar, o Brasil, ao contrário de países como Venezuela, Argentina ou Peru, vive, desde a década de 90, um fortalecimento de seu sistema partidário. A chegada do PT ao governo, 22 anos após sua fundação, mas também a atuação do PSDB e do PFL durante o governo Fernando Henrique Cardoso seriam indicativos desse processo.
Em segundo lugar, o país está se mostrando, ao menos por enquanto, maduro para viver uma real alternância de poder, com a eleição democrática, pela primeira vez na história do país, de um governo de esquerda.
Em terceiro lugar, destaca-se a tranquilidade do processo de transição e a preocupação por parte dos recém-eleitos de demonstrar, com clareza, que pretendem mudar com estabilidade e dentro do figurino democrático.
"Esse esforço enorme que Lula, José Dirceu e José Genoino estão fazendo para formar uma aliança majoritária é muito importante para a estabilidade política porque a história brasileira mostra que, quando o governo está bem assentado nos partidos e no Congresso, é muito mais fácil responder às crises. Se Lula tiver respaldo político no Congresso, não creio que haja maiores riscos, apesar das dificuldades econômicas", afirma Amorim Neto.
"Quando um país complexo e heterogêneo como o Brasil tem um presidente de esquerda que governa dentro do figurino democrático e consegue fazer mudanças, o efeito demonstração é fundamental", diz.
A professora Leilah Landim (UFRJ) chama a atenção para outro ponto positivo da democracia brasileira: o alto nível de organização da sociedade. "Foram os movimentos sociais, muitos deles ilegais nos anos 70 e 80, que construíram a sociedade democrática de hoje, muitas vezes radicalizando, às vezes atropelando, mas também dialogando."
"A Constituição de 1988 foi feita com a participação de movimentos sindicais, de bairros, de negros, de mulheres, de crianças e adolescentes, de defesa de direitos específicos. Ela estabeleceu os conselhos, que são instituições de participação da sociedade civil ao lado do Estado. A organização social é não só necessária como inevitável", afirma.
Amorim Neto concorda com a relevância da organização social, mas ressalva que o protagonismo na política deve ser dos partidos.
"A Constituição brasileira determina que o monopólio da representação é dos partidos. Os movimentos sociais são importantes como alerta, mas, quando emergem mais fortes do que os partidos, é um sinal de que estes estão tendo dificuldades em canalizar os interesses da sociedade. Os movimentos sociais representam interesses específicos. A beleza dos partidos é representar um espectro amplo de interesses."
Para Leilah Landim, o governo Lula oferece uma oportunidade inédita de diálogo entre o governo e a sociedade organizada. "Esse pessoal tem mais canais de diálogo com os movimentos sociais do que qualquer outro governo já teve. Agora, se os canais não funcionarem, os movimentos vão continuar lutando e buscando canais de participação", diz.
José María Gómez (UFRJ) acredita que a população brasileira tenha feito uma "aposta elevadíssima de mudança" e teme que possa haver uma desilusão. "As margens de manobra são estreitas, e os riscos são enormes. Por um lado, há o risco do continuísmo. Por outro, há o risco de que movimentos e setores tomados por um voluntarismo irrealista comecem a exigir mudanças mais radicais."
"Há um desejo claro de mudança, mas isso vai levar tempo. É importante que Lula sinalize a busca de alternativas desde o primeiro dia de governo. Do contrário, tomará corpo uma sensação de fracasso das expectativas, e isso é muito perigoso", afirma.
"É fundamental que tenham êxito os objetivos do novo governo de resolver o problema da fome e de reduzir a desigualdade social. Do contrário, haverá grandes massas disponíveis para "golpes sociais" também no Brasil. Provavelmente liderados por políticos de mentalidade corporativa e setorial, da própria esquerda, hostis a coalizões e acordos. Enfim, à democracia representativa", diz Luis Costa Bonino. (OD)


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