São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 2002

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ARMAS QUÍMICAS

José Bustani perde cargo de diretor-geral da entidade em votação encabeçada pelos EUA, que comemoram

Diplomata brasileiro é destituído da Opaq

ROGERIO SCHLEGEL
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE HAIA

O diplomata brasileiro José Maurício Bustani, 56, foi destituído ontem do cargo de diretor-geral da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas), após uma campanha aberta feita pelos EUA para a sua saída.
Foi a primeira vez que um dirigente de organização internacional foi afastado à força durante a vigência de seu mandato.
Bustani disse que sofreu "linchamento". Os EUA comemoraram sua saída, considerada pelo Departamento de Estado como "um passo essencial para restabelecer a estabilidade" da organização e superar suas dificuldades operacionais.
Bustani foi afastado com uma margem folgada de votos. Foram 48 votos pela sua saída e apenas sete a favor do brasileiro (de Brasil, Cuba, México, China, Rússia, Bielorússia e Irã); outros 43 países se abstiveram, entre eles a França (único dos grandes países europeus nesse grupo), e a maioria dos países latino-americanos (que, pela tradição diplomática, teriam acompanhado o voto do Brasil).
Eram necessários dois terços dos votos, descontadas as abstenções, mas o placar obtido pelo esforço dos EUA representou 87% dos votos válidos.
A conferência da Opaq, especialmente convocada para discutir a saída de Bustani, reuniu em Haia (Holanda) 115 dos 145 países que participam da organização.
O orçamento da entidade para 2002 é próximo de 61 milhões (cerca de R$ 127 milhões). Os EUA contribuem com 22%.
O afastamento do diplomata brasileiro era esperado. Ele vinha sendo abertamente torpedeado pelos EUA desde fevereiro e, em março, foi apresentada moção de desconfiança contra ele.
Os EUA o acusam de má gestão (que apontam como origem da crise financeira da organização) e de ser "confrontacionista" e "autoritário". Para o diplomata brasileiro, as acusações não passam de "cortina de fumaça" para esconder o interesse americano em comandar indiretamente a Opaq. Criada em 1997 no âmbito da ONU, a Opaq visa a colocar em prática uma convenção assinada em 1994 como sinal de rejeição mundial do uso de armas químicas depois da guerra entre o Irã e o Iraque (1980-88).
Um dos pontos que geraram atrito entre Bustani e os americanos foi o empenho do diplomata para trazer o Iraque para a Opaq, o que abriria caminho para que a entidade passasse a monitorar o desmantelamento do arsenal iraquiano de armas químicas.
Por orientação de Bustani, a Opaq também soltou resolução após 11 de setembro em que reafirma seu poder de agência mundial contra armas químicas.
Os EUA se consideraram ultrajados pela ausência de consulta prévia, e o documento acabou modificado. Ontem, a porta-voz do Departamento de Estado americano Eliza Koch disse que o afastamento de Bustani vai permitir o reequilíbrio das contas da Opaq, tarefa em que os Estados Unidos prometem se empenhar. A conferência especial da organização prossegue hoje, quando será discutido o nome do sucessor.



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