São Paulo, sexta, 23 de maio de 1997.



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Kabila herda de Mobutu um país esfacelado

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

Mobutu Sese Seko e Laurent Kabila são paradoxalmente parecidos. Nos anos 60, acreditavam que só um modelo autoritário poderia unir os pedaços étnicos da grande colcha de retalhos que é a hoje República Democrática do Congo.
Mobutu, dono de uma fortuna de US$ 3,5 bilhões, foi por 32 anos perdoado por seus aliados ocidentais, por ter cumprido a missão de evitar a expansão do comunismo.
Kabila era então um guerrilheiro de perfil maoísta. Um mau guerrilheiro, segundo Ernesto "Che" Guevara, que o conheceu em 1965 e o considerou covarde e mulherengo.
O líder rebelde que derrubou Mobutu faz parte de uma geração de ex-resistentes marxistas (Paul Kagamé, hoje vice-presidente de Ruanda, Yoweri Museveni atual presidente de Uganda), convertida à economia de mercado.
Quanto a Mobutu, ele deixa um Estado falido e uma sociedade esfacelada. Alguns exemplos:
O ex-Zaire tem hoje uma renda per capita anual próxima de US$ 100. O Quênia tem 2,5 vezes isso, a Nigéria, 4, o Senegal, 5, e a África do Sul, uma renda 28 vezes superior. Nenhum desses países (excetuada a Nigéria, com petróleo) possui tantas jazidas minerais quanto a República Democrática do Congo.
Durante a ditadura Mobutu, só 1% do PIB (é o último dado enviado à Unesco, em 1985) era destinado à educação, contra 6,7% na Costa do Marfim ou 4,2% no Senegal; para cada mil habitantes, o ex-Zaire tem 6,3 automóveis, contra 12,5 no Quênia, 11,3 no Senegal.
Mas há um outro legado mobutista, inquantificável: a ditadura estimulou a lei do mais forte. A malandragem e a contravenção se tornaram instrumento de sobrevivência. Soldados com soldo atrasado vendiam suas armas. Funcionários públicos perderam o pudor pelo suborno. A polícia deixou de contabilizar homicídios, e o Judiciário se tornou venal.
Sociedades tão desagregadas não reconstituem um mínimo de unidade com a mera troca de governante. Além disso, a República Democrática do Congo reparte do zero em seus litígios tribais. É no mínimo preciso discutir regras de convívio, desnecessárias enquanto tudo funcionou sob as botas do autoritarismo de Mobutu.



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