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ANÁLISE
Êxito diplomático traz deveres
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A adoção da resolução 1483 pelo
Conselho de Segurança da ONU
(CS), que concede à coalizão anglo-americana -doravante Autoridade- o direito de conduzir a
reconstrução do Iraque, de explorar seus recursos petrolíferos e de
organizar, com a colaboração da
ONU, o processo político que deverá resultar na formação de um
governo controlado pelos iraquianos, foi uma vitória incontestável da diplomacia dos EUA.
Vale lembrar que, há dois meses, os americanos foram à guerra
sem a anuência da ONU após perder a batalha diplomática. Desta
vez, em menos de duas semanas,
Washington obteve a vitória que
buscava sem fazer grandes concessões, embora, segundo Richard Grenell, porta-voz do embaixador dos EUA na ONU, John
Negroponte, as mudanças no texto original tenham chegado a 90.
Dois pontos eram cruciais para
os EUA e, na prática, permaneceram quase intactos. Primeiro, a
direção da reconstrução do Iraque. Segundo, o controle da exploração do setor petrolífero.
"Washington fez concessões,
mas elas não foram tão importantes. É verdade que foi dado um
papel mais relevante ao representante da ONU, como queriam a
Rússia, a França e a Alemanha.
Todavia seu poder será quase nulo se a Autoridade não quiser permitir muita influência em seus
processos de tomada de decisão, o
que temo que venha a ocorrer",
explicou à Folha Michael Kreile,
especialista em ONU da Universidade Humboldt, de Berlim.
Para Davis Bobrow, do Centro
Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (EUA), a
provável escolha do brasileiro
Sérgio Vieira de Mello para o posto de representante especial da
ONU para o Iraque é um indício
de que sua autoridade não "incomodará os planos americanos".
"Ele é o favorito de Washington.
Há acadêmicos que temem que
ele tenha planos de tornar-se secretário-geral da ONU após Kofi
Annan. Não sei se isso é verdade.
Entretanto, se for, ele não se sentirá livre para realizar seu trabalho
no Iraque. Afinal, sem o apoio dos
EUA, que têm direito de veto no
CS, ele jamais atingirá esse suposto objetivo", afirmou Bobrow.
Quanto ao petróleo, a Autoridade terá liberdade para determinar
os níveis da produção iraquiana e
para controlar a renda proveniente de sua exportação. "O texto deveria dar à ONU a tarefa de controlar o setor petrolífero até a formação de um governo local legítimo. Porém Washington não aceitou essa exigência dos franceses e
dos russos", apontou Kreile.
Quem se espanta com a pífia
oposição dos três países que lideraram o bloco antiguerra -a
França, a Rússia e a Alemanha-
deve lembrar que, em relações internacionais, nem sempre os
princípios se sobrepõem aos interesses políticos ou econômicos.
"Os governos da França e da
Alemanha atravessam uma fase
difícil por razões econômicas e
políticas. Assim, a reaproximação
com os EUA esvazia as críticas internas que pesam sobre Paris e
Berlim por ter feito dura oposição
à guerra", analisou Françoise de la
Serre, do Centro de Estudos e de
Pesquisas Internacionais (Paris).
"Ademais, trata-se de um fato
consumado. Washington fez a
guerra sem a aprovação da ONU e
também manteria as rédeas da reconstrução do Iraque sem ela. Para Paris e Berlim, seria custoso demais politicamente dar início a
uma nova disputa na ONU."
"A Rússia não obteve muitas
concessões dos EUA. A reestruturação da dívida iraquiana é uma
minivitória, pois Moscou sabe
que, ainda assim, será difícil receber algo do Iraque", disse Mark
Kramer, especialista em Rússia da
Universidade Harvard (EUA).
Washington passa, portanto, a
ter uma responsabilidade ainda
maior sobre o futuro do Iraque. Se
sua autoridade for benigna, a comunidade internacional se renderá aos fatos -gostem ou não
franceses, russos e alemães.
Contudo, se a intenção dos EUA
for só distribuir contratos a suas
empresas e a vender petróleo, sua
legitimidade será mais contestada
do que nunca mesmo por aqueles
que aprovaram a resolução 1483.
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