São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Para a assessora de Bush, os ideais americanos, agora questionados, foram responsáveis pela derrota de Hitler

Rice defende o "idealismo americano"

BERNA G. HARBOUR
DO ""EL PAÍS", EM BERLIM

Condoleezza Rice, assessora de Segurança Nacional da Casa Branca, enfrentará, nas próximas semanas, o desafio de tornar digna de crédito uma transferência de soberania aos iraquianos, de conquistar o respaldo para a permanência das tropas americanas no Iraque e de reduzir o impacto da tortura de prisioneiros.
Rice admite que o processo iraquiano vive uma crise e que, por isso, o que ela chama de "idealismo americano" -levar a democracia a quem não tem- está sendo questionado. Mas rebate: "Sem o idealismo americano, não teríamos derrotado Hitler, não teria havido uma Alemanha unificada nem uma Rússia livre".

 

Pergunta - Os EUA parecem agora estar dispostos a aceitar uma teocracia xiita, se ela for eleita pela população, ou a hipótese de deixar o país se o governo eleito pedir. O que seria inaceitável?
Condoleezza Rice-
Os EUA permanecem apenas em lugares em que são bem-vindos. Sobre as eleições, o que nos impressionou é que todos os setores -xiitas, sunitas, curdos ou turcomanos- estão muito comprometidos com uma estrutura de governo que garanta os direitos individuais.
Comprometemo-nos a respeitar a unidade do Iraque. Assumimos nossa responsabilidade na segurança do Iraque até o momento em que os iraquianos estejam em condições de garanti-la. Mas vamos transferir o poder a um governo soberano.
A maioria quer a democracia e a liberdade. O Iraque não tem tradição teocrática.

Pergunta - A violência ameaça a transferência de soberania em 30 de junho?
Rice-
Quanto mais nos aproximamos da transferência, mais tentativas haverá de interromper o processo. As próximas semanas serão difíceis. Não há nada que os terroristas desejem mais do que nos ver adiar a transferência da soberania. Essa seria sua vitória. A transferência precisa acontecer.

Pergunta - A guerra esfriou as relações dos EUA com a França e a Alemanha, e agora as imagens de torturas pioraram suas relações com os países árabes.
Rice-
Acho que as fotos provocaram vergonha e horror entre os americanos. Não fomos ao Iraque para isso. Minha primeira reação foi: ""É lamentável porque pode relegar à sombra o que os americanos realizaram no Iraque".
Ao mesmo tempo, porém, nos oferece uma chance para que todos os Estados democráticos recordemos que ninguém nunca disse que os seres humanos não cometem atos maus. A diferença, numa democracia, é que os que fazem coisas más são castigados.

Pergunta - Se o governo iraquiano pedir às forças americanas que saiam, elas o farão?
Rice-
Os EUA permanecem com o consentimento do governo. Acredito que o povo e o governo iraquianos compreendam que o Iraque ainda não possui forças adequadas para garantir a segurança. Não precisamos inventar mecanismos. É uma prática bastante difundida: quando há governos novos, quando guerras chegam ao fim, é comum que a segurança provisória seja dirigida por uma força estrangeira.

Pergunta - Mas, se o governo eleito pedir às forças americanas que saiam, elas sairão?
Rice-
Os EUA só permanecerão com o consentimento do governo. Mas os iraquianos querem um Iraque estável, e eles ainda não são capazes de garantir tal segurança. Nosso problema tem sido que, quando falamos em ""transferência de soberania", muitos iraquianos pensam que partiremos em 1º de julho. Nosso presidente deixou claro que estaremos ali para eles, para lhes dar segurança, mas que os EUA acreditam no consentimento do governo.

Pergunta - Como a sra. avalia o impacto da decisão espanhola de abandonar a coalizão?
Rice-
A maioria dos membros da coalizão se manteve firme no Iraque e demonstrou sua intenção de seguir adiante. A coalizão ainda é muito forte, e, uma vez que a transferência de soberania tiver sido realizada, veremos se outros também vão contribuir.

Pergunta - Mas não ajuda em nada o fato de que o responsável pela intervenção tenha agido tão mal.
Rice-
É verdade, é duro. Mas acho que já realizamos muito com a coalizão. Saddam Hussein deixou o poder. Estamos reconstruindo grandes partes do país. Muitas partes já estão estáveis. A administração existente é a mais liberal de todo o Oriente Médio no que diz respeito aos direitos da mulher, dos direitos individuais, do papel do islã.
Vocês acham que poderia ter sido mais fácil? Eu não, porque estamos falando de grandes mudanças históricas, como foi difícil em 1942, em 1943, em 1944 ou em 1948, durante o bloqueio de Berlim. A história européia prova que as mudanças históricas levam tempo. O povo iraquiano finalmente tem uma oportunidade, e, se conseguir desfrutar os benefícios da liberdade, talvez o Oriente Médio todo o consiga.
A aliança transatlântica é extraordinária, uma aliança de democracias que se uniram nas circunstâncias mais difíceis. Unimos a Europa. E será que agora vamos nos sentar e dizer: ""Já temos a nossa liberdade, vamos desfrutá-la, vamos nos proteger, ser economicamente prósperos e deixar de lado aqueles que não têm democracia?". Não seria apropriado para uma aliança que cresceu unida.
Falam do idealismo americano como um problema no mundo. Com todo o respeito, digo que, sem o idealismo americano, não teríamos derrotado Hitler, não teria havido uma Alemanha unificada nem uma Rússia livre.

Pergunta - A sra. poderia mencionar os erros cometidos no Iraque?
Rice-
A história o fará. Mas o objetivo estratégico de um Iraque livre, estável e democrático é justo. Não se pode julgar com base nas notícias diárias, mas apenas com base na história.


Tradução de Clara Allain


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