São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Hizbollah ainda controla bairro destruído em Beirute

Grupo xiita mantém "Estado dentro do Estado" e detém segurança na capital

Fotos do líder do Hizbollah estão por toda a parte; grupo pode sair fortalecido pela corrente gerada contra a ação violenta de Israel

DO ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

Na entrada do distrito de Haret Hreik, principal reduto do Hizbollah em Beirute e o mais bombardeado da capital libanesa, um policial pede autorização para seguir caminho em sua motocicleta. Um jovem barbado, fuzil em punho, acena positivamente. Nestas ruas desertas, que 11 dias atrás formavam um formigueiro humano, a sensação de que o grupo xiita mantém um "Estado dentro de um Estado" é uma realidade.
Meio milhão de pessoas moravam nos distritos xiitas de Haret Hreik, Ghobeiri e Shiyah antes do início dos bombardeios israelenses. Agora, a área de maior densidade populacional do Líbano parece uma cidade fantasma. Algumas de suas ruas, sobretudo as que abrigavam os escritórios do Hizbollah, foram completamente destruídas. Pedaços de concretos cobrem o chão, vergalhões de ferro dos prédios estão expostos sob o sol quente e pertences de residentes se espalham por todo os lados.

Nasrallah
Nem todos deixaram a violência para trás. Além dos seguranças, que controlam tudo o que acontece nos distritos, há moradores que preferiram ficar. Para onde quer que se olhe há imagens de Hassan Nasrallah, líder do Hizbollah. Fotos do aiatolá Khomeini, líder da Revolução Islâmica iraniana, também são comuns. "Nasrallah é nosso exemplo de resistência", diz um homem de cerca de 50 anos, sentado numa cadeira de plástico no meio dos escombros. "Vamos ficar aqui e dar uma lição aos israelenses."
Hassan Nasrallah é o homem mais procurado pelos mísseis israelenses, mas continua a aparecer sorridente e aparentando calma na emissora de TV do grupo, Al Manar. Há alguns dias Israel anunciou ter atingido um abrigo subterrâneo onde ele estaria, o que foi desmentido. Entre os jornalistas libaneses, a opinião é de que ele deixou Beirute no início da crise, mas continua em (ou sob) território libanês.
Nas ruas amplas entre os distritos xiitas, grandes buracos no asfalto, de cerca de 10 metros de diâmetro, mostram a precisão dos ataques. Praticamente todos os cruzamentos foram atingidos, dificultando o tráfego e estilhaçando as janelas dos prédios próximos.
O cortejo diário de jornalistas estrangeiros, conduzidos por taxistas que cobram até US$ 100 por hora, é organizado meticulosamente pelo Hizbollah. Ninguém entra sem coordenar a visita com alguém do grupo. Um jovem começa a gritar para os jornalistas, conta que perdeu vários parentes nos ataques e amaldiçoa Israel, a ONU e as potências ocidentais. "Ninguém vê o que acontece aqui? Nossos mortos não valem nada?", diz ele, garantindo que as vítimas são todas civis. Israel garante que o Hizbollah esconde suas baixas.

Hizbollah fortalecido
Não há pesquisas de opinião que ajudem a medir o atual nível de apoio ao grupo xiita. Mesmo que houvesse, dificilmente elas refletiriam com fidelidade o que se passa na mente de uma população ainda fortemente marcada pelas divisões sectárias.
Há, é verdade, uma espécie de senso comum indicando que a reação maciça de Israel tornou difícil condenar o Hizbollah, mesmo para os não-xiitas. "Para muitos libaneses a crise tornou-se humanitária, mais que política", diz Meris Lutz, repórter do jornal "Daily Star", onde cobre Beirute.
Na última semana, ela acompanhou principalmente o drama dos milhares de refugiados. "O cálculo é de que, só em Beirute, haja 900 mil refugiados. Nessas circunstâncias, qualquer país cria uma corrente contra o agressor."
Isso quer dizer que o "Estado dentro do Estado" sairá fortalecido? "Acho que sim, já que o apoio ao grupo só cresceu, abafando o debate que havia no país sobre o seu desarmamento", avalia Meris. "Além disso, é bom lembrar que esse "Estado" do Hizbollah não foi criado somente pela força, mas ocupando o vácuo deixado pelo governo libanês na área social, onde o grupo sempre foi forte."
(MARCELO NINIO)


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