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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Hizbollah é resultado dos conflitos na região
Para estudiosos, marginalização dos xiitas também está na gênese do grupo
Organização já é sobretudo libanesa e autônoma, mas tem o Irã como apoio militar e mentor ideológico e a
Síria como aliada política
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE NOVA YORK
Quando um israelense de Tel
Aviv escuta a palavra Hizbollah, ele logo imagina destruição de Israel, mísseis contra o
norte do país, anti-semitismo e,
acima de tudo, terrorismo. Um
libanês de origem xiita de Tiro
pensará diferente. Ele enxerga
a organização como o único
grupo que os defendeu durante
a ocupação militar israelense
do sul do Líbano. Mais do que
isso, que construiu escolas, creches e hospitais e que levantou
a voz dos xiitas dentro do cenário político libanês.
Mas não são apenas os israelenses e os xiitas do sul do Líbano que têm uma imagem própria do Hizbollah. Um militar
americano associa o grupo ao
segundo maior atentado suicida realizado em toda a história
dos EUA -a destruição do
acampamento dos marines em
Beirute, em 1983, que matou
241 americanos, meses depois
de outras 63 pessoas terem
morrido em ataque contra a representação de Washington na
capital libanesa. Argentinos se
lembram dos mais de cem mortos nos atentados contra a Embaixada de Israel e a Amia (associação judaica) em Buenos
Aires, em 1994 -o grupo nega
envolvimento.
Já os aiatolás do Irã vêem o
Hizbollah como o principal
aliado em uma guerra ideológica dentro do islã, entre xiitas e
sunitas. A Arábia Saudita, o
Egito e a Jordânia consideram
o grupo um risco para a estabilidade da região. Os palestinos
do Hamas vêem no Hizbollah
um aliado e um exemplo de como combater Israel. A Al Qaeda
considera o grupo um inimigo
na luta jihadista, pois goza de
muito mais popularidade do
que os seguidores de Osama bin
Laden, sunitas. A Síria conta
com o Hizbollah para tentar
manter a influência sobre o Líbano, onde a elite cristã e sunita teme que um dia a organização xiita se fortaleça politicamente, levando os marginalizados xiitas ao poder.
Na realidade, o Hizbollah é
fruto de todos esses conflitos
que existem tanto no Líbano
quanto em todo o Oriente Médio. Como afirma Amal Saad
Ghorayeb, principal estudiosa
da organização no Líbano e
professora da Universidade
Americana Libanesa, o surgimento do Hizbollah se deve a
três fatores: a ocupação militar
de Israel do Líbano, a intervenção de forças ocidentais como
os EUA e a França na guerra civil e a marginalização dos xiitas
na sociedade libanesa.
Revolução Islâmica
Porém, segundo Ghorayeb,
foi preciso um vetor para que o
Hizbollah emergisse tão fortemente -a Revolução Iraniana
em 1979. Os iranianos influenciaram ideologicamente o grupo e serviram como exemplo
sobre como atacar o inimigo. O
ex-agente da CIA em Beirute
Robert Baer diz em seu recente
documentário "The Cult of Suicide Bombing" que o Hizbollah
levou ao extremo a prática de
ataques suicidas contra israelenses que era usada pelo Irã na
guerra contra o Iraque.
Nessa época, nos anos 80, o
Hizbollah era muito mais intolerante em relação a outras religiões, com a ideologia xiita do
Wilayayat al Faqih, que prevê o
estabelecimento de um Estado
islâmico nos moldes iranianos.
Mas, ao longo dos 90, o cenário
se alterou. O grupo, segundo
Ghorayeb, passou a ter uma atitude conciliadora diante do Estado sectário libanês, fazendo
parte do jogo político e participando de eleições desde 1992.
Ao mesmo tempo, o Hizbollah mantinha o seu braço armado lutando contra Israel no
sul do país. Na ideologia do Hizbollah, segundo Ghorayeb, os
EUA e Israel são os opressores,
enquanto xiitas libaneses e palestinos são os oprimidos. Portanto, a organização deveria lutar até que Israel desocupasse o
Líbano e, mesmo depois, para
defender os palestinos.
Quando Israel retirou suas
tropas do Líbano em 2000, parecia que o Hizbollah pretendia
relegar a um segundo plano a
sua face militar -ou terrorista,
para os israelenses. O grupo
passou a mostrar mais o seu lado político e social.
Integração política
De acordo com o professor
Karim Makdisi, da Universidade Americana de Beirute, o
Hizbollah esteve em processo
de integração no cenário político libanês, com ministros no
governo e defendendo valores
similares "aos da esquerda latino-americana". "O Hizbollah
lembra muito o PT de Lula no
passado, contra as privatizações e pedindo mais igualdade.
Os xiitas são a camada mais pobre da população", disse.
Mas, como afirma em suas
aulas o professor de contraterrorismo Reid Sawyer, da Universidade Columbia e oficial do
Exército Americano, onde dirige o Centro de Combate ao Terrorismo, o Hizbollah aproveitou esses últimos anos para se
rearmar e se converter no que
ele chama de "mais poderosa
organização terrorista do mundo", muito superior à Al Qaeda.
Não se pode olhar para o Hizbollah do presente, mas para o
do futuro, quando certamente,
segundo ele, poderá ter a capacidade de destruir Israel se nada fosse feito.
Para o Hizbollah, de acordo
com Ghorayeb, a luta contra Israel está acima de tudo. Mesmo
o caos é melhor do que ver a
opressão israelense, na visão da
organização. Por esse motivo, o
grupo não leva em conta a resposta israelense no Líbano. O
importante, para a organização, é manter a luta, mesmo
porque eles acham que a causa
deles é também libanesa.
O grupo, tanto para Ghorayeb como para Makdisi, é hoje
acima de tudo libanês e tem autonomia. O Irã, além de mentor
ideológico, apóia o grupo com
armamentos e logística. A Síria
é mais um aliado político.
Para Makdisi, Israel pode até
matar o xeque Hassan Nasrallah. Mas de nada adiantará. O
próprio Nasrallah era um adolescente em 1982 e afirma ter se
radicalizado durante a invasão
israelense. Agora, certamente
adolescentes libaneses, e não
apenas xiitas, devem se radicalizar contra Israel, explica o
professor. E, em Tel Aviv e Haifa, certamente, desde a última
semana, mais israelenses
acham que o Hizbollah é uma
organização terrorista e sinônimo de destruição de Israel.
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