São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Hizbollah é resultado dos conflitos na região

Para estudiosos, marginalização dos xiitas também está na gênese do grupo

Organização já é sobretudo libanesa e autônoma, mas tem o Irã como apoio militar e mentor ideológico e a Síria como aliada política

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Quando um israelense de Tel Aviv escuta a palavra Hizbollah, ele logo imagina destruição de Israel, mísseis contra o norte do país, anti-semitismo e, acima de tudo, terrorismo. Um libanês de origem xiita de Tiro pensará diferente. Ele enxerga a organização como o único grupo que os defendeu durante a ocupação militar israelense do sul do Líbano. Mais do que isso, que construiu escolas, creches e hospitais e que levantou a voz dos xiitas dentro do cenário político libanês.
Mas não são apenas os israelenses e os xiitas do sul do Líbano que têm uma imagem própria do Hizbollah. Um militar americano associa o grupo ao segundo maior atentado suicida realizado em toda a história dos EUA -a destruição do acampamento dos marines em Beirute, em 1983, que matou 241 americanos, meses depois de outras 63 pessoas terem morrido em ataque contra a representação de Washington na capital libanesa. Argentinos se lembram dos mais de cem mortos nos atentados contra a Embaixada de Israel e a Amia (associação judaica) em Buenos Aires, em 1994 -o grupo nega envolvimento.
Já os aiatolás do Irã vêem o Hizbollah como o principal aliado em uma guerra ideológica dentro do islã, entre xiitas e sunitas. A Arábia Saudita, o Egito e a Jordânia consideram o grupo um risco para a estabilidade da região. Os palestinos do Hamas vêem no Hizbollah um aliado e um exemplo de como combater Israel. A Al Qaeda considera o grupo um inimigo na luta jihadista, pois goza de muito mais popularidade do que os seguidores de Osama bin Laden, sunitas. A Síria conta com o Hizbollah para tentar manter a influência sobre o Líbano, onde a elite cristã e sunita teme que um dia a organização xiita se fortaleça politicamente, levando os marginalizados xiitas ao poder.
Na realidade, o Hizbollah é fruto de todos esses conflitos que existem tanto no Líbano quanto em todo o Oriente Médio. Como afirma Amal Saad Ghorayeb, principal estudiosa da organização no Líbano e professora da Universidade Americana Libanesa, o surgimento do Hizbollah se deve a três fatores: a ocupação militar de Israel do Líbano, a intervenção de forças ocidentais como os EUA e a França na guerra civil e a marginalização dos xiitas na sociedade libanesa.

Revolução Islâmica
Porém, segundo Ghorayeb, foi preciso um vetor para que o Hizbollah emergisse tão fortemente -a Revolução Iraniana em 1979. Os iranianos influenciaram ideologicamente o grupo e serviram como exemplo sobre como atacar o inimigo. O ex-agente da CIA em Beirute Robert Baer diz em seu recente documentário "The Cult of Suicide Bombing" que o Hizbollah levou ao extremo a prática de ataques suicidas contra israelenses que era usada pelo Irã na guerra contra o Iraque.
Nessa época, nos anos 80, o Hizbollah era muito mais intolerante em relação a outras religiões, com a ideologia xiita do Wilayayat al Faqih, que prevê o estabelecimento de um Estado islâmico nos moldes iranianos. Mas, ao longo dos 90, o cenário se alterou. O grupo, segundo Ghorayeb, passou a ter uma atitude conciliadora diante do Estado sectário libanês, fazendo parte do jogo político e participando de eleições desde 1992.
Ao mesmo tempo, o Hizbollah mantinha o seu braço armado lutando contra Israel no sul do país. Na ideologia do Hizbollah, segundo Ghorayeb, os EUA e Israel são os opressores, enquanto xiitas libaneses e palestinos são os oprimidos. Portanto, a organização deveria lutar até que Israel desocupasse o Líbano e, mesmo depois, para defender os palestinos.
Quando Israel retirou suas tropas do Líbano em 2000, parecia que o Hizbollah pretendia relegar a um segundo plano a sua face militar -ou terrorista, para os israelenses. O grupo passou a mostrar mais o seu lado político e social.

Integração política
De acordo com o professor Karim Makdisi, da Universidade Americana de Beirute, o Hizbollah esteve em processo de integração no cenário político libanês, com ministros no governo e defendendo valores similares "aos da esquerda latino-americana". "O Hizbollah lembra muito o PT de Lula no passado, contra as privatizações e pedindo mais igualdade. Os xiitas são a camada mais pobre da população", disse.
Mas, como afirma em suas aulas o professor de contraterrorismo Reid Sawyer, da Universidade Columbia e oficial do Exército Americano, onde dirige o Centro de Combate ao Terrorismo, o Hizbollah aproveitou esses últimos anos para se rearmar e se converter no que ele chama de "mais poderosa organização terrorista do mundo", muito superior à Al Qaeda. Não se pode olhar para o Hizbollah do presente, mas para o do futuro, quando certamente, segundo ele, poderá ter a capacidade de destruir Israel se nada fosse feito.
Para o Hizbollah, de acordo com Ghorayeb, a luta contra Israel está acima de tudo. Mesmo o caos é melhor do que ver a opressão israelense, na visão da organização. Por esse motivo, o grupo não leva em conta a resposta israelense no Líbano. O importante, para a organização, é manter a luta, mesmo porque eles acham que a causa deles é também libanesa.
O grupo, tanto para Ghorayeb como para Makdisi, é hoje acima de tudo libanês e tem autonomia. O Irã, além de mentor ideológico, apóia o grupo com armamentos e logística. A Síria é mais um aliado político.
Para Makdisi, Israel pode até matar o xeque Hassan Nasrallah. Mas de nada adiantará. O próprio Nasrallah era um adolescente em 1982 e afirma ter se radicalizado durante a invasão israelense. Agora, certamente adolescentes libaneses, e não apenas xiitas, devem se radicalizar contra Israel, explica o professor. E, em Tel Aviv e Haifa, certamente, desde a última semana, mais israelenses acham que o Hizbollah é uma organização terrorista e sinônimo de destruição de Israel.


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