São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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EUA são a primeira potência capaz de atacar qualquer ponto do planeta

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Os ataques americanos a alvos no Sudão e no Afeganistão são o mais recente exemplo de uma nova, inédita, e brutal realidade. Pela primeira vez na história, uma potência é capaz de intervir militarmente em qualquer ponto do planeta, com um mínimo de riscos para suas forças.
Já existe até uma teorização em torno dessa nova hegemonia. Talvez o melhor exemplo seja o livro "The Future of War - Power, Technology & American World Dominance in the 21st Century" ("O Futuro da Guerra - Poder, Tecnologia e a Dominação Mundial Americana no Século 21"), por George Friedman e Meredith Friedman.
O título é revelador do triunfalismo que tomou conta de parte da intelectualidade mais conservadora nos EUA depois que o país "venceu" a Guerra Fria com o comunismo soviético.
O ataque aos supostos terroristas islâmicos segue o figurino da nova era. Foram empregados mísseis de cruzeiro Tomahawk, lançados de navios de superfície e de submarinos. Voam o mais próximo possível da superfície e se dirigem ao alvo graças a complexos sistemas de guiagem eletrônicos. Raros são os países dotados de defesas antiaéreas capazes de abatê-los.
Curiosamente, nos anos 80, antes do espetacular e repentino colapso da União Soviética, e quando os tigres asiáticos ainda tinham garras afiadas, era comum achar que o século 21 seria o "século do Pacífico" e de uma inexorável decadência americana.
Autores como o historiador Paul Kennedy falavam do risco para as potências que gastavam mais com armas do que sua economia poderia sustentar. Isso aconteceu com a Espanha de Felipe 2º, no século 17, e com o Reino Unido neste. Achava-se que o próximo da lista seria os EUA. Terminou sendo apenas a URSS.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial que o planeta convive com uma esmagadora superioridade militar dos EUA. Mas, no final do século, as novas tecnologias bélicas permitem aos americanos exercer esse poder com muito mais facilidade.
Essa é a tese do livro dos Friedman, que acham que as "munições guiadas de precisão" -como os mísseis Tomahawk- vão revolucionar a guerra em prol do país tecnologicamente mais avançado, os EUA.
Para eles, hoje vive-se uma fase de transição na arte da guerra. Já um autor como Eliot Cohen, que participou de um estudo oficial sobre o impacto da aviação na Guerra do Golfo, acredita que ainda se está longe de uma "revolução".

Vigilância do céu
O fato é que, mesmo hoje, satélites de espionagem vigiam qualquer metro quadrado da superfície da Terra que for de interesse dos EUA. Os mais sofisticados dos satélites americanos têm pelo menos essa "resolução", isto é, a capacidade de distinguir elementos na superfície com apenas um metro de comprimento.
E aquilo que eles sabem existir, eles podem atingir.
A força que melhor simboliza o papel de polícia do mundo dos americanos é sua Marinha. São 12 porta-aviões grandes, cada um com mais poder de fogo que a maior parte das forças aéreas do planeta. São 73 submarinos nucleares silenciosos e letais, armados com torpedos, mísseis antinavio e os já famosos Tomahawk.
Grupos de navios nucleados em um porta-aviões e composto de vários outros para escolta -cruzadores, destróieres, fragatas- visivelmente estão espalhados por todos os oceanos, prontos a intervir em qualquer país.
Além deles, há os invisíveis submarinos. A qualquer momento, um míssil pode sair do fundo do mar, ligar seu motor e se dirigir para um alvo selecionado pelo governo americano.
Essa "guerra de apertar botões" é feita sob medida para a opinião pública dos EUA. Longe está a Guerra do Vietnã, quando soldados de infantaria tinham de procurar guerrilheiros em pântanos.
Hoje, a tolerância quanto a perdas em combate está cada vez menor. Mas o governo dos EUA volta e meia acha que a intervenção militar é uma necessidade.
A solução é uma política de defesa "pós-heróica", na opinião do analista Edward Luttwak: procurar meios de fazer guerra que minimizem as baixas.
Tradicionalmente, esse era o domínio da aviação. Lançar bombas mata menos gente do que invadir com tropas terrestres. Mas hoje o "pós-heroísmo" vai ainda além: os mísseis guiados substituem os aviões, pois cada vez mais são capazes de atingir os alvos com a mesma precisão.



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