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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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"Não sei o que acontecerá conosco", desabafa porta-voz da entidade

BEATRIZ LECUMBERRI
DA FRANCE PRESSE, EM BAGDÁ

Lágrimas de impotência, raiva, medo e vontade de abandonar a missão: o ataque de ontem contra a sede da ONU em Bagdá baixou ainda mais o moral dos mais de cem funcionários que optaram por continuar no Iraque após o atentado de 19 de agosto.
A cerca de 250 metros do prédio semidestruído no atentado de agosto, ardiam os destroços de mais um carro-bomba -que a polícia iraquiana deteve a tempo de evitar novo massacre.
Para os funcionários da ONU, não resta dúvida de que o objetivo dos agressores era matar o maior número possível de pessoas que trabalham para a organização.
"A sensação que fica para nós é que eles ganharam mais uma vez", lamenta Antonia Paradela, responsável pelo Programa Mundial de Alimentação (PAM) em Bagdá e porta-voz interina da organização no Iraque. "Nem sequer tínhamos nos recuperado do primeiro ataque e agora acontece isto. Não sei o que vai acontecer conosco."
Desde o atentado de 19 de agosto, no qual morreram 23 pessoas -incluindo o representante máximo da missão, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello-, grande parte dos funcionários não-iraquianos da ONU deixou o país. Telefonemas para a organização na cidade não são respondidos, e são poucos os que acreditam no retorno de seus colegas a Bagdá no futuro próximo.
"É verdade que agora somos menos", explicam seus companheiros, discretamente. "Depois do atentado de 19 de agosto, as pessoas ficaram entrando e saindo. Houve gente que teve direito a duas semanas de férias extras, e outras pessoas foram embora porque podiam fazer seu trabalho de outros países."
Jansa Hussein, iraquiana que trabalha em programas humanitários da ONU há sete anos, recordou entre lágrimas a imagem que viu ao chegar ao Hotel Canal ontem. "O corpo do policial carbonizado no chão, o carro ainda ardendo em chamas e as pernas do suicida. Foi só o que restou dele", conta. Para ela, todos os iraquianos que trabalham para a ONU, dois dos quais estão entre os 19 feridos do atentado de ontem, querem continuar seu trabalho. "Estes ataques decepcionam a todos que trabalham neste edifício para melhorar a vida dos iraquianos."
Depois do atentado, os funcionários iraquianos da ONU buscavam explicação para a nova agressão: os inspetores de desarmamento não evitaram a guerra, os 13 anos de embargo ou o fato de a ONU não ter conseguido evitar a ofensiva de março.
"Resta-nos o consolo de saber que há muitos iraquianos positivos, mas existem outros que querem prejudicar o país inteiro e que sabem que somos vulneráveis, coisa que não escondemos", disse um funcionário que, exaurido, pediu demissão nesta semana. "Somos alvos bem visíveis."
Para alguns, o atentado de ontem pode também ser uma mensagem enviada na véspera da abertura da reunião da Assembléia Geral, da qual participa uma delegação iraquiana. "De qualquer maneira", diz Paradela, "não sabemos quais eram as intenções do suicida. Além disso, fala-se do Iraque todos os dias na ONU."


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