São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997.




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OURO NAZISTA
Comissão investiga diário do alemão Albert Blume para rastrear rede de ajuda a hitleristas no Brasil
Abertura de cofre desvenda mistério

LUIZ ANTÔNIO RYFF
da Reportagem Local

Após 14 anos de suspense, um mistério de 52 anos começa a ser desvendado na próxima quarta-feira, quando a Comissão Especial de Apuração de Patrimônios Nazistas no Brasil abrir o cofre do alemão Albert Willi Louis Blume (1907-1983).
Ao contrário do que se especula, o interesse maior da comissão não são os cerca de R$ 4 milhões deixados por Blume, mas os diários e documentos guardados no cofre desde a morte do alemão.
Com eles, a comissão espera encontrar elementos para rastrear uma suposta rede nazista no país durante e depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Blume, que foi filiado ao Partido Nacional-Socialista Alemão (o partido nazista) e chegou ao Brasil um ano antes do início oficial do conflito, era suspeito de ter sido um espião ou um agente colaborador da rede de proteção aos nazistas no pós-guerra -que, no Brasil, não foram poucos.
A estimativa do Congresso Mundial Judaico é de que entre 1.200 e 1.500 nazistas tenham passado pelo Brasil depois da guerra.
Quitinete
Para o rabino Henry Sobel, membro da comissão -que foi instituída pelo presidente Fernando Henrique Cardoso-, Blume serviria de receptador de bens roubados pelos nazistas.
As especulações sobre a origem da fortuna de Blume são diversas, vão de uma pretensa atividade de agiota à receptação de peças do exterior.
As suspeitas sobre a origem da fortuna cresceram porque Blume -que chegou no Brasil para trabalhar como empregado em uma firma de importação de caldeiras- não tinha meios conhecidos para amealhar R$ 4 milhões.
Além disso, apesar de guardar tamanha fortuna, Blume nunca a usou. Quando morreu, morava em uma quitinete no centro de São Paulo.
A possibilidade de que a fortuna provenha de judeus mortos durante o Holocausto é mais difícil de ser comprovada, já que, no inventário elaborado em 1984, não há muitos bens com datas anteriores ao final da guerra.
"Não tenho nenhuma comprovação de que Blume tenha sido receptador de fortunas espoliadas de vítimas do Holocausto", afirmou à Folha o advogado Ricardo Penteado, inventariante dativo do processo desde 94.
Para Penteado, entretanto, "há indícios de que ele praticava algum tipo de agiotagem".
Ele coloca em dúvida até a colaboração do alemão com o regime nazista ou com ex-integrantes do regime após o fim da guerra.
Penteado diz que uma carteirinha de filiação prova a ligação de Blume com o partido nazista.
Aparentemente, entretanto, essa ligação seria pouco efetiva, já que existem cartas do partido reclamando uma participação mais ativa de Blume e um documento comprovando a sua expulsão pouco tempo depois.
Além disso, no cofre há provas de que Blume havia sido filiado ao Partido Comunista Alemão em 1928.
Fundo para vítimas
Outra dúvida sobre o caso Blume é o destino que será dado aos seus bens.
Nos últimos meses, especulou-se sobre a possibilidade de confisco da fortuna para a formação de um fundo para vítimas do nazismo.
Advogados que integram a comissão reconhecem que, hoje, essa possibilidade é rigorosamente inexistente, pois a prescrição máxima prevista no Código Civil brasileiro é de 20 anos.
Isso só poderia ocorrer com a adesão do Brasil a algum tratado internacional prevendo, por exemplo, o confisco de bens que tenham sido espoliados de vítimas do Holocausto. Mas para isso seria preciso vontade política do governo federal.
Mesmo assim, seria preciso provar a origem ilícita da fortuna de Blume. O que, de todo modo, a comissão pretende fazer.
Por isso, os R$ 4 milhões devem ser herdados por Margarida Blume, uma tia de Albert que mora no Paraná.
A investigação sobre possíveis herdeiros está no final -deve ser concluída até o fim do ano- e, até o momento, ela foi a única postulante a ter reconhecido seu direito aos bens de Blume.
Durante esses 14 anos, outros 26 pretendentes foram desqualificados. A Justiça também anulou um testamento e um termo de doação -ambos considerados falsos.
De todo modo, o mistério deve acabar em breve. A comissão já conseguiu uma autorização judicial para abrir o cofre e começar a analisar o seu conteúdo.
Ele será aberto pela terceira vez nesses 14 anos. A primeira foi em 84, quando foi feito o inventário. A segunda foi em agosto, quando Penteado retirou alguns documentos e o diário de Blume escrito em alemão. Muitas vezes escritos com letras góticas e em alemão antigo, os documentos ainda precisam ser traduzidos. O que deve adiar um pouco o fim da trama.



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