São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997.




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BOMBA PORTÁTIL
Alexander Lebed diz que Kremlin perdeu controle de maletas que funcionam como arma atômica
General russo alerta contra terror nuclear

JAIME SPITZCOVSKY
enviado especial a Moscou

O fantasma do terrorismo nuclear ronda o planeta. Maletas com armas atômicas que podem ser disparadas por apenas uma pessoa foram construídas nos tempos soviéticos e algumas delas estariam hoje fora do controle do presidente russo, Boris Ieltsin.
Uma ação do governo para retomar controle dessas bombas portáteis não eliminaria a ameaça. Cientistas russos que participaram do projeto poderiam, para driblar a crise econômica do país, vender seus conhecimentos no mercado internacional de armas.
O alarme parte do general russo Alexander Ivanovitch Lebed, 47, estrela ascendente no universo da política russa. Na eleição presidencial de 96, ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 15% de votos.
Seu apoio garantiu a reeleição de Ieltsin. Como recompensa, Lebed foi nomeado secretário do poderoso Conselho de Segurança, que define as principais estratégias do Kremlin.
General da reserva desde 1995, com a aura de militar inflexível e o adorno de condecorações recebidas por sua atuação como pára-quedista na Guerra do Afeganistão e outros pontos de conflito na ex-URSS, Lebed desembarcou na separatista Tchetchênia para conseguir pôr fim à guerra iniciada em 1994. Sua popularidade aumentava, assim como o número de rivais nos corredores do Kremlin.
Em outubro de 96, Ieltsin afastou Lebed. Este mergulhou na construção de sua carreira política e, apresentando-se como a "oposição de um nacionalismo moderado", já está em campanha para as eleições presidenciais de 2000.
Sobre as maletas nucleares, o governo Ieltsin admite sua existência. Rejeita, no entanto, que alguma delas estejam fora do controle presidencial e promete destruí-las até o ano 2000.

Folha - Como o sr. avalia a política econômica de Ieltsin?
Lebed -
Já são sete anos de reformas e, resultado dessas reformas, 80% da população empobreceu. Não há perspectivas à vista. A situação é perigosa.
Folha - E qual é a saída?
Lebed -
Um sistema de tomada de decisões e de realização das decisões. E também um sistema de controle sobre a realização das decisões. Hoje, a Constituição permite eleger um presidente, um governador, um deputado, mas é impossível cassar o mandato. Um chefe se elege e então ele faz o que quer. Ele não está nem preocupado se o povo empobreceu, não recebeu o salário por mais de seis meses.
Folha - Se o sr. chegar ao poder, que tipo de governo será o seu?
Lebed -
Tenho três princípios na escolha dos meus quadros: patriotismo, profissionalismo, honestidade. O homem deve amar o país onde ele vive. Ele deve enxergá-lo como a sua própria casa e não como um território onde poderá roubar ou obter algum lucro. A economia, sem dúvida, será a de mercado.
Folha - Que política externa o sr. adotaria?
Lebed -
O navio é muito grande para que a gente mude bruscamente o leme. Muito grande.
Folha - Alguns de seus críticos dizem que a democracia não é uma de suas prioridades.
Lebed -
O que é democracia? A democracia é a liberdade das pessoas, limitada por leis racionais, que funcionam para as pessoas, em prol de seus interesses. Quando tal sistema for criado, então na nossa terra haverá democracia. Se, durante mil anos, fomos um império, com mentalidade totalitária, então não se pode simplesmente divulgar que no dia 21 de agosto de 1991 (data do fracasso do golpe de Estado pró-comunista em Moscou) fomos dormir com o regime totalitário e acordamos de manhã com a democracia. Esta ainda está por ser construída, num trabalho para duas gerações, um trabalho colossal. Assim, a minha tarefa é lançar a primeira pedra no alicerce do futuro prédio da Rússia democrática. A Constituição é autoritária, foi montada para uma pessoa, cujo sobrenome é Ieltsin. Os mecanismos de cassação de mandato dos eleitos simplesmente não existem. Não há instituições democráticas no país. Não sejamos hipócritas: não existe democracia na Rússia.
Folha - Qual o seu plano de combate à corrupção e ao crime?
Lebed -
Primeiramente devemos ter, dos cidadãos, 90% de obediência às leis. É a primeira medida, sem a qual nada dará certo, e tudo o mais é bastante simples.
O crime organizado no país reconhece que ninguém o combate, simplesmente ninguém o combate... O crime organizado tem esse nome porque ele se solidificou na vertical, os colarinhos brancos no alto; os bandidos, embaixo. De cima vem a informação, debaixo vem a execução... e o lucro é dividido ao meio. É um problema do qual ninguém, em princípio, se ocupa, porque toda a elite política, ou quase toda, está corrompida.
Folha - Há alguma possibilidade de golpe militar na Rússia?
Lebed -
Não! Uma revolta geral, sim. Este é um país interessante e muito perigoso. Um golpe militar está descartado, não existe tradição para isso. O nosso povo, em geral, não é de guerra, mas, se amanhã lhe derem um fuzil, ele vira um combatente formidável.
Folha - Que futuro o sr. vê para a Tchetchênia?
Lebed -
Tudo teve de ser começado do zero. O ponto principal no artigo primeiro do acordo de paz foi a decisão sobre o status da Tchetchênia, que foi adiada por cinco anos. É impossível tomar qualquer tipo de decisão quando você se vê à frente de sepulturas abertas, cadáveres, viúvas, órfãos chorando, ruínas.
Primeiro, é preciso devolver a vida à Tchetchênia. Fazer funcionar a economia, dar tempo de assentar a terra nas sepulturas. As pessoas têm de ficar com a cabeça fria. E com a cabeça fria, resolver os problemas difíceis. A questão da independência da Tchetchênia não é um problema da Rússia e da Tchetchênia. A questão é o precedente. No mundo há uma enormidade de nações com pretensões de independência. Por exemplo, o País Basco, o Chipre do Norte, norte da Itália, Quebec. Quanto à Tchetchênia, devemos achar uma fórmula diplomática e manter, por exemplo, um mesmo espaço econômico e a moeda comum.
Folha - Quem apóia o sr.?
Lebed -
Existe no país muita gente inteligente, enérgica e honesta. E justamente esta última qualidade funcionou contra eles e contra o país.
Pessoas honestas deixaram a política para as pessoas sórdidas e indignas e não participaram de política, deixando, automaticamente, o campo de batalha para os aventureiros.
Folha - Qual é a situação atual das Forças Armadas russas?
Lebed -
O outrora forte Exército soviético e o complexo industrial-militar soviético tornaram-se perigosos, principalmente para o próprio país.
Com a atual reforma militar e a diminuição do tamanho das Forças Armadas, primeiro dispensam os militares, depois sobra uma enorme quantidade de armas e munições muito perigosas, e não há ninguém que cuide disso. Isso pode levar a consequências catastróficas, sem nenhuma guerra. Imaginemos apenas uma avaria qualquer num reator nuclear de um submarino desativado.
Folha - Há medidas para evitar tais catástrofes?
Lebed -
Devemos discutir como eliminar essa desgraça comum. O globo terrestre é muito pequeno. Muito pequeno. O que acontecer na Rússia, irá repercutir na Europa, na Ásia.
Folha - O senhor, há pouco tempo, levantou a questão sobre a mala nuclear. Existe a possibilidade de terrorismo nuclear?
Lebed -
É por isso que eu levantei o problema. Esses sistemas existem, a última versão se chama "RAS-115", a versão submarina se chama "RAS-115-01", são dispositivos muito compactos: 45 x 45 x 30 centímetros, pesam 30 quilos. Cabem numa maleta. É acionado por uma só pessoa.
Mas a maleta jamais foi empregada, ou seja, ela nunca foi utilizada para fins bélicos. Mas é uma arma ideal para os terroristas. As possibilidades do terrorismo nuclear e da chantagem são simplesmente colossais. Mas o problema não é apenas a maleta, mas são as pessoas que a fabricaram. A área, que antes estava fechada e onde foi fabricada a maleta, foi uma espécie de paraíso na Terra.
Hoje é uma região em crise econômica, como todo o mundo da ciência na Rússia, em debandada geral. Então, se eu sei fazer um artefato assim, e eu sou despedido, sempre poderei achar pessoas que darão condições, poderão me pagar e poderei fazer a maleta em outro lugar.
Então eu espero que sejam eliminadas todas as maletas existentes, todas as tecnologias de sua fabricação. E devem ser achadas todas as pessoas que as fabricavam, dando-lhes condições de uma vida decente para que elas não fossem tentadas a vender os seus conhecimentos e aptidões.
Folha - Essas pessoas que participaram do desenvolvimento dos artefatos estão na Rússia ou já estão fora dos limites do país?
Lebed -
É o que eu gostaria de saber. Estava empenhado nisso, mas não deu tempo. Sei que muitos abandonaram o país. Onde eles estão, não sei.
Folha - O senhor suspeita de algum lugar onde eles possam estar?
Lebed -
Não quero partir para suspeitas. Quero solucionar o problema com 100% de garantia de que o terrorismo nuclear no globo terrestre seja impossível.
Folha - Qual é a sua opinião sobre Ieltsin?
Lebed -
Não tenho ele em alta conta, mas o povo da Rússia o escolheu. Seu primeiro presidente. Folha - Quem deve ter medo de Lebed como presidente?
Lebed -
A colocação da pergunta não é justa. Ninguém deve temê-lo. Ele será eleito para dirigir o país para o bem de todos, instituindo leis, criando as condições para que vivam, fiquem ricos, mas ninguém deve temer o presidente.
Folha - Podemos fazer a pergunta de outra maneira. Quem vai perder privilégios com Lebed presidente?
Lebed -
Preciso citar os sobrenomes? O que ocorre hoje no país é fora do normal, quando a privatização ocorreu no interesse de aproximadamente 5% da população. Este país colossal é fabulosamente rico, e 5% da população concentra tudo isso. Cerca de 80% estão em situação de miséria. Não é normal.




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