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ARTIGO
Lado "Don Corleone" de Saddam pode evitar a guerra
THOMAS FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
Saddam Hussein sempre foi
uma figura política única -uma
combinação de Don Corleone
com Pato Donald-, capaz das táticas de sobrevivência mais astutas, embora brutais, a la Poderoso
Chefão, e dos erros mais simples,
cometidos numa história em quadrinhos, a la Pato Donald.
Testemunhamos agora o seu lado Pato Donald. Imagine que se,
em vez de entregar à ONU e aos
EUA um relatório dizendo que o
Iraque não tem armas de destruição em massa, Saddam tivesse dito: "Oh meu Deus, acabamos de
encontrar oito mísseis Scud e
quatro barris com armas químicas escondidos debaixo de cobertores no porão. Eu não tinha idéia
de que eles estavam lá! Por favor,
levem-nos embora. Já executei o
general que os escondia".
Saddam teria criado um problema enorme para o time de guerra
de Bush. Em vez disso, Saddam
tem ajudado os EUA a fazer a
guerra. Acredito que Saddam terá
mais uma saída, e o time de Bush
precisa estar pronto para isso.
É o que chamo de "momento
Primakov". Yevgeny Primakov
foi um veterano da KGB (polícia
secreta) russa, que fez várias viagens a Bagdá entre 1990 e 1991 para conversar com Saddam, a fim
de evitar a guerra do Kuait. Minha
impressão é que veremos esse jogo de novo. Antes de a Segunda
Guerra do Golfo começar, haverá
uma delegação franco-russa ou
árabe voando para Bagdá para
tentar persuadir Saddam a poupar sua família. Diferentemente
da Primeira Guerra do Golfo,
muitas nações não querem que
essa guerra aconteça.
Na primeira, o Ocidente perdoou dois terços das dívidas do
Egito, em troca da participação na
guerra. A Síria recebeu US$ 1 bilhão da Arábia Saudita, por aderir
ao conflito. Agora, o regime autocrático de Damasco não tem nenhum interesse numa segunda
guerra. A Turquia ganhou US$ 3
bilhões pela ajuda em 1990. Hoje,
só teria dor de cabeça. Os negócios com o Iraque seriam obstruídos e haveria um enorme fluxo de
refugiados curdos atravessando a
fronteira para o lado turco.
O Irã, que adorou ver Saddam
sendo espremido, não gostaria de
vê-lo derrubado e ter como vizinho um governo pró-EUA. Ainda
há os curdos do Iraque. Protegidos no norte do país pelos EUA,
graças à zona de exclusão aérea,
os curdos estabeleceram um Estado quase independente. Eles não
estão propensos a abrigar um novo regime "democrático" que venha a emergir em Bagdá.
Finalmente, os árabes sunitas
no mundo estão preocupados
com o fato de que, se o Iraque se
tornar uma democracia, a maioria xiita neste país -que sempre
esteve sob as asas de uma minoria
sunita- irá assumir o poder,
energizar os xiitas na Arábia Saudita, no Líbano e na Síria e ameaçar a dominação sunita.
Por isso, os EUA precisam ter
paciência e estar preparados para
tudo. Ao nos aproximarmos do
clímax dessa história, uma delegação árabe ou européia pode
aparecer em Bagdá a qualquer hora e forjar um trato com Saddam
para ele recuar ou se exilar. O lado
Don Corleone de Saddam diria
sim. Ou, mais uma vez, seu lado
Pato Donald faria uma avaliação
errada. Nesse caso, esse seria, então, seu último quadrinho.
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