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Escudo humano admite ingenuidade
NEIL MAC FARQUHAR
DO ""THE NEW YORK TIMES", EM BAGDÁ
Um aviso anunciando a mais
sombria de todas as tarefas estava
pregado no pequeno mural de
"Escudos Humanos" montado
no saguão do hotel Andalus
Apartments, em Bagdá, na manhã da quinta-feira passada.
Procuravam-se três voluntários
para juntar-se aos 13 que já se
comprometeram a viver na usina
de energia Bagdá Sul para tentar
impedir que seja bombardeada,
em caso de guerra.
Voluntários vindos de meia dúzia de países pretendiam instalar-se em um dormitório coletivo na
usina, local que, afirmam, lhes foi
sugerido pelo governo iraquiano.
Desde que chegaram ao Iraque,
no início do mês, visitam hospitais, usinas de tratamento de água
e instalações críticas para a população civil.
"Já nos mostraram vários locais,
e um deles era essa usina elétrica",
disse o militante antiguerra britânico Godfrey Meynell, 68. "Sou a
favor de ficarmos nesse local porque me parece que, se a eletricidade for cortada, o tratamento de
água sofrerá os efeitos, além dos
hospitais. É claro que os EUA parecem ter se tornado tão imorais
que há poucas chances de que isso
faça a menor diferença."
Como boa parte do confronto
atual com o Iraque, a questão dos
escudos humanos remete à Guerra do Golfo. Depois de invadirem
o Kuait, em 1990, os iraquianos
arrebanharam centenas de trabalhadores petrolíferos, bancários e
estrangeiros residentes no país e
os obrigaram a viver durante meses em vários locais de risco, incluindo instalações industriais e
bases militares iraquianas. Foram
soltos antes do início da guerra,
em 1991. Os EUA já avisaram várias vezes que, mesmo que os escudos humanos sejam voluntários, dessa vez sua utilização será
vista como crime de guerra. "Usar
escudos humanos não é estratégia
militar -é assassinato, violação
das leis do conflito armado e crime contra a humanidade. E será
tratado como tal", disse o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.
Os voluntários discordam. "Isso
é um absurdo", disse o veterano
fuzileiro naval Ken Nichols
O'Keefe, 33, que iniciou a idéia
dos escudos humanos voluntários. "Eles não estão me usando.
Sou voluntário."
No início deste mês, o vice-primeiro-ministro iraquiano, Tareq
Aziz, disse que os estrangeiros são
bem-vindos. "Eles devem vir e se
posicionar em lugares de que precisamos para sobreviver."
O governo iraquiano está pagando para alojar os voluntários
em pequenos hotéis no centro de
Bagdá. Oferece a eles telefonemas
gratuitos ao exterior e acesso à internet para fazer lobby com conterrâneos nos países de origem.
Mas diplomatas ocidentais dizem não ter certeza se, depois que
o cerco começar, o governo vai
querer a dor de cabeça de relações
humanas que os escudos humanos vão representar. Alguns dos
escudos têm a mesma dúvida.
Outros já estão tomando consciência do lado sinistro de algo
que alguns dizem ter interpretado, com certa ingenuidade, como
uma espécie de protesto incomum contra a guerra.
Os escudos destacam que vieram para Bagdá para proteger civis, não para manifestar apoio ao
governo iraquiano. Mas os iraquianos sempre ignoram distinções desse tipo.
O número de escudos humanos
ainda é incerto. No mural do grupo, na quinta-feira, saltou de 97
para 132 com a chegada de novos
voluntários, mas apenas cerca de
60 compareceram à reunião. Desse total, 18 são americanos. Os organizadores do encontro prevêem que sejam milhares.
Mas outras delegações de paz
reclamam do fato de que frequentemente são todas tratadas conjuntamente como escudos. "Não
estou aqui para virar mártir", disse a atriz alemã Beate Malkus, 33.
Toda a campanha dos escudos
humanos parece recender um espírito que é algo entre um coletivo
socialista e um dormitório universitário comunitário. Um aviso
fixado no mural anuncia uma
campanha de doação de sangue.
O aviso chama a atenção para o
fato de que participar da campanha será uma maneira fácil de obter o certificado exigido de todo
estrangeiro para comprovar que
não tem Aids.
Tradução de Clara Allain
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