São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

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"Laicos", ditadores manipularam o islã

Mesmo não sendo religiosos, ditadores como Gaddafi, Ben Ali e Mubarak usaram religião para angariar apoios

Líbio prega modelo de "socialismo islâmico", mas caça religiosos; fé islâmica também era explorada por Saddam


DE SÃO PAULO

Cada um à sua maneira, os líderes de regimes árabes seculares usaram a religião para atender seus interesses -ora ensaiando flerte com a fé, ora manipulando o fantasma do extremismo.
Exemplo mais significativo é o de Muammar Gaddafi.
O ditador líbio nunca foi tido como um exemplo de devoto muçulmano. Mas seu regime, embora laico, foi construído e sustentado com base numa hábil manipulação de símbolos religiosos.
Gaddafi comanda desde o golpe de 1969 um sistema que ele mesmo chamou de "socialismo islâmico". O ditador proibiu bebidas alcoólicas e jogos de azar e adotou para a Líbia uma bandeira totalmente verde, a cor do islã.
Também é verde o livro que lançou em três edições a partir de 1975 como uma espécie de norte político e filosófico para a sua revolução.
Na visão de Gaddafi, uma suposta legitimidade tirada do Corão o aproximaria de uma população majoritariamente conservadora e tribal.
O Livro Verde, contudo, expõe uma linha muito mais próxima do socialismo panarabista em voga nos anos 70. Na prática, Gaddafi acabou sendo um implacável repressor dos islamistas.
Estratégias semelhantes foram usadas por outros líderes árabes não religiosos.
O iraquiano Saddam Hussein (executado em 2003) tinha ojeriza a religiosos, vistos como uma das principais ameaças ao seu regime. Há abundantes relatos de que ele bebia e fumava.
Mas a propaganda oficial divulgava fartura de fotos de Saddam ajoelhado durante a reza ou vestindo trajes típicos da peregrinação a Meca. Também incluiu na bandeira a inscrição "Alá é o maior".
O palestino Iasser Arafat tinha formação militar e nacionalista e era casado com uma cristã. Entre os seus maiores inimigos estavam os religiosos do Hamas.
Mas o líder morto em 2004 recebia visitantes numa sala em Ramallah na qual havia um quadro da mesquita de Al Aqsa de Jerusalém, um dos lugares sagrados do islã.
Quando se sentia ameaçado pela crescente popularidade do Hamas, Arafat incluía temática religiosa em sua retórica e aparecia em público com clérigos aliados.
Já os ditadores tunisiano Zine El Abidine Ben Ali e egípcio Hosni Mubarak, recém-derrubados por suas populações, mantiveram quase sempre distância da religião.
Há poucos registros de suas aparições em atos religiosos ou até mesmo de discursos com teor islâmico.
Ao mesmo tempo em que perseguiam grupos religiosos, Ben Ali e Mubarak permitiam que continuassem existindo para assustar o Ocidente e justificar a necessidade de manter seus regimes.


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