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ARTIGO
Verdades incômodas
PAUL KRUGMAN
DO ""NEW YORK TIMES"
O ""U.S. News & World Report"
publicou, alguns meses atrás, que,
desde o dia em que tomou posse,
a administração Bush cobriu o
governo com ""um véu de segredo". Após o 11 de Setembro, o sigilo da administração passou a
não ter limites, tanto assim que
Ari Fleischer, antigo porta-voz de
George W. Bush, chegou a avisar
que os americanos ""precisam vigiar o que dizem, vigiar o que fazem". Os cidadãos patrióticos deviam aceitar a versão dos acontecimentos oferecida pelo governo
e não fazer perguntas incômodas.
Mas algo notável vem acontecendo: cada vez mais pessoas de
dentro da administração estão
encontrando a coragem necessária para revelar verdades em
questões que abrangem desde a
poluição com mercúrio até a
guerra contra o terror.
Quando lemos as inevitáveis
tentativas de denegrir o caráter
daqueles que abrem o bico, é importante nos darmos conta de até
que ponto é arriscado revelar verdades incômodas sobre o governo Bush. Quando o general Eric
Shinseki disse ao Congresso que o
Iraque no pós-guerra exigiria
uma força de ocupação grande,
foi o fim de sua carreira. Quando
o embaixador Joseph Wilson revelou que o discurso sobre o Estado da União de 2003 continha informações sabidamente falsas, alguém na Casa Branca destruiu a
carreira de sua mulher, revelando
que ela era agente da CIA.
O mais recente a adiantar-se para revelar o que sabe é, evidentemente, Richard Clarke, ex-especialista em contraterrorismo do
atual governo e autor do livro recém-lançado ""Against All Enemies" (contra todos os inimigos).
No programa ""60 Minutos" de
domingo, Clarke disse o que até
então era indizível: que Bush, o
autoproclamado ""presidente da
guerra", fez ""um trabalho deplorável na guerra ao terrorismo".
Após algumas horas de silêncio
chocado, o trabalho de assassinato de caráter começou. Clarke
""pode ter tido ressentimentos
guardados, já que provavelmente
queria um cargo mais alto", declarou Dick Cheney, que também
afirma que Clarke não estava bem
informado. (Como assim? Antes
do 11 de Setembro, ele era o mais
alto funcionário a trabalhar com o
contraterrorismo.) De acordo
com Scott McClellan, porta-voz
da Casa Branca, as críticas de
Clarke dizem respeito ""mais à política e à promoção de seu livro do
que a políticas específicas".
É claro que os funcionários do
governo Bush precisam denegrir
o caráter de Clarke. Há evidências
independentes de sobra que confirmam a essência das acusações.
O governo deu pouca atenção
ao contraterrorismo mesmo após
o 11 de Setembro? Após os atentados, o FBI pediu US$ 1,5 bilhão
para operações de contraterrorismo, mas a Casa Branca cortou essa verba em dois terços.
E, quando terroristas lançarem
um novo ataque em solo americano, verão seu trabalho facilitado
pela estranha relutância do governo em proteger alvos potenciais.
Em novembro de 2001, uma delegação bipartidária exortou o presidente a gastar cerca de US$ 10
bilhões em prioridades de segurança, tais como portos e usinas
nucleares. Mas Bush simplesmente se recusou a fazê-lo.
Finalmente, será que alguns representantes de alto nível do governo de fato queriam reagir ao 11
de Setembro atacando o Iraque? É
claro que sim. ""Desde os primeiros momentos após o 11 de Setembro", disse Kenneth Pollack
ao programa ""Frontline", ""havia
um grupo de pessoas, dentro e fora do governo, que acreditavam
que a guerra ao terrorismo devesse se voltar primeiramente contra
o Iraque." Richard Clarke veio
apenas acrescentar mais detalhes.
Mesmo assim, o governo gostaria que acreditássemos que Clarke
foi levado a escrever seu livro por
motivações baixas. Entretanto,
em vista do domínio que os ""falcões" exerceram sobre as listas de
livros mais vendidos, até o outono
passado, é improvável que ele o
tenha escrito por dinheiro. Levando-se em conta que, até muito recentemente, a maioria dos analistas políticos achava que a reeleição de Bush fosse garantida, é
pouco provável que Clarke tenha
escrito o livro na esperança de
conseguir um cargo político. E,
dado o pendor do governo Bush
por punir seus críticos, ele deve
ter sabido que, ao escrever o livro,
estava assumindo um risco pessoal muito grande.
Por que, então, ele o escreveu?
Que tal esta resposta: talvez ele
simplesmente quisesse que o público soubesse a verdade.
Tradução de Clara Allain
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