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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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Walter Rodgers, da CNN, fala da experiência de acompanhar combates

Mostrar americanos mortos era proibido, diz repórter

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 62 anos, Walter Rodgers, correspondente da TV CNN na guerra do Iraque, passou quatro semanas com três opções para dormir: um monte de feno e o banco ou o capô de seu carro.
Durante o conflito, ele fez parte do projeto "embedded" do Pentágono, que consistiu em "encaixar" ou "embutir" jornalistas nas tropas para mostrar o avanço da coalizão em tempo real.
Rodgers se transformou numa das estrelas da cobertura da ofensiva por mostrar ao vivo as batalhas do 7º Regimento de Cavalaria. Fora o "detalhe" de quase não dormir, contar com pouca água e comida e trabalhar sob tempestades de areia, o correspondente esteve várias vezes sob fogo cruzado. Atravessou estradas com iraquianos atirando dos dois lados. E estava ao vivo quando uma bomba explodiu a poucos metros dele.
À Folha, por e-mail, Rodgers falou sobre seus dias de guerra. Ele conta como agia ao encontrar iraquianos mortos. "Não fixava o olhar para não me assombrar com o rosto de um cadáver." E afirma que o Pentágono o proibiu, por contrato, de exibir rostos de soldados americanos mortos.
 

Folha - Como era transmitir ao vivo, durante as ações militares?
Walter Rodgers -
Tenso. Todos se esforçavam para pôr o produto no ar quando granadas e foguetes cruzavam nossas cabeças e o tiroteio ocorria ao nosso lado. Muitas vezes, acontecia à noite ou numa tempestade de areia.

Folha - Como fazia para dormir, comer, tomar banho?
Rodgers -
O desconforto físico era pior do que estar no tiroteio. Os combates eram eletrizantes. Viver sem água quente, eletricidade, dormir torto dentro do carro, no capô ou em montes de feno, estar sujo o tempo todo era realmente desconfortável. Era frio, era quente. Tempestades de areia, uma completa tortura.

Folha - Enquanto os soldados descansavam, o sr. aproveitava para produzir matérias especiais. Quando conseguia parar?
Rodgers -
Tive quase nenhum descanso. Se quiser descansar, vire bombeiro. Correspondentes de guerra trabalham até cair.

Folha - Quantos feridos e pessoas mortas encontrou pelo caminho?
Rodgers -
Vimos muitos soldados iraquianos mortos. Tentava não olhá-los ou ao menos não fixar meu olhar neles. Se você fixa os olhos num cadáver, a imagem assombra você. Então, controlava minha visão sempre, como um radar. Via tudo à minha volta, mas, como não fixava o olhar, não me assombrava com o rosto de um cadáver, uma perna despedaçada ou moscas comendo o rosto de um soldado do Iraque. Vi muito mais mortos do que feridos.

Folha - Qual foi o pior momento para o sr.? E o maior medo?
Rodgers -
Houve momentos em que corríamos de atiradores por duas horas, com tiros dos dois lados da estrada, as balas saltando à nossa volta. Felizmente, os iraquianos são maus atiradores. Foi um milagre nada ter acontecido, porque muitas vezes nossa equipe era um alvo vulnerável.

Folha - O sr. teve de assinar um contrato com o Pentágono. Quais era os termos do documento?
Rodgers -
Não me lembro de todos, mas diziam, basicamente, que não podíamos mostrar o rosto de um soldado americano morto. Éramos proibidos de revelar uma operação militar dos EUA antes de seu início. Não podíamos divulgar números exatos das forças norte-americanas etc. Todos pareciam justos e razoáveis.

Folha - Como avalia as críticas de que as TVs americanas se pautaram pela versão do governo dos EUA?
Rodgers -
Não usamos só informações do governo dos EUA. Estava na linha de frente. Divulguei o que vi. Essa era a vantagem dos "embutidos". Vimos as batalhas, os fracassos e os sucessos. O processo dos "embedded" foi revolucionário, realmente um avanço jornalístico.


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