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opinião
O homem que derrotou o comunismo
MARY DEJEVSKY
DO "INDEPENDENT"
É a pergunta clássica que
os historiadores se fazem:
são os indivíduos ou forças
impessoais que movem as
nações? Qualquer pessoa
que, como eu, tenha visto Boris Ieltsin descer a escadaria
do Parlamento russo e subir
num tanque para dirigir uma
mensagem de contestação à
pequena multidão de moscovitas que assistiam à cena
não terá a menor dúvida
quanto à resposta.
Aquele 19 de agosto de
1991 está preservado em câmara lenta em minha memória. Naquela manhã, Moscou
parecia uma zona de incertezas atemporais. Um estado
de emergência tinha sido declarado antes do amanhecer.
Segundo um anúncio padronizado e desajeitado, o presidente Mikhail Gorbatchov
tinha sido afastado do poder
por problemas de saúde. Um
comitê assumira o poder.
Tanques tinham entrado
em Moscou em meio ao trânsito matinal e convergido para pontos estratégicos: o
Kremlin, a sede da KGB, o
Ministério da Defesa e a Casa
Branca, o cavernoso edifício
do Parlamento russo. Antevendo a parafernália de golpes militares, verificações de
identidade e ruas fechadas
por barreiras, decidi, sem
qualquer razão em especial,
ir até a Casa Branca.
Veículos blindados estavam posicionados em volta
do edifício. Carros diplomáticos lotavam o estacionamento. Então, de repente,
um movimento: um grupinho começou a descer as escadas. Ieltsin estava no centro, e assessores de cada lado
dele pareciam tentar dissuadi-lo. Ele caminhou em direção aos tanques, devagar e
muito deliberadamente.
Trocou algumas palavras em
tom jocoso com os guardas, e
ele estava no alto de um tanque, lendo palavras rabiscadas numa folha de papel.
"Não aceito este golpe" foi o
teor crucial da mensagem.
Até o momento em que o
mundo se deixou distrair pela bufonaria bêbada dos últimos anos de Ieltsin no cargo,
foi essa a imagem que o definiu. Ela foi, também, seu legado. Sem o desafio lançado
por Ieltsin, o golpe de Estado
contra o presidente soviético
poderia ter tido êxito, e a
União Soviética poderia seguir, trôpega, encabeçada
por um Politburo cada vez
mais temeroso e repressivo.
Boris Ieltsin será lembrado pela maioria dos russos
que viveram os anos 80 e 90
com muito afeto e respeito.
Ele foi uma personalidade
única, um siberiano duro,
um russo até o âmago, e um
líder que obedecia a seus instintos, e não a planos traçados. Homem de ação, não
tramava nem planejava.
Não foi um dissidente, na
acepção comum do termo.
Não começou como adversário do regime soviético; terminou em oposição, como líder regional frustrado que se
revoltava contra as estruturas rígidas que impediam reformas. E a verdade é que seu
legado foi misto. Ele presidiu
sobre liberdade, mas também sobre caos, criminalidade e o colapso econômico.
Hoje, à luz do que muitos
vêem como recuo das liberdades individuais sob Putin,
existe o risco de que Ieltsin
seja recordado pelas coisas
erradas, da forma errada.
Contrariamente ao mito
cultivado, ele não foi um democrata no sentido comum
do termo nem um proponente da livre expressão e do livre mercado movido por
seus princípios. Mas tampouco foi o exibicionista embriagado dos clipes televisivos que foram exibidos repetidas vezes ontem à noite.
Tradução de CLARA ALLAIN
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