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Legado econômico divide analistas
Para Joseph Stiglitz, concentração de poder e riqueza minou confiança dos russos na democratização
Momento político explica pressa nas privatizações, diz economista; objetivo da nomeação de Putin foi deter "maximalismo" reformista
DENYSE GODOY
DE NOVA YORK
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Considerando o papel decisivo de Boris Ieltsin na transformação geopolítica mundial
causada pelo fim do modelo soviético, é compreensível que a
ambigüidade observada em sua
herança política se confunda
com o legado econômico das
reformas que promoveu. Ao assumir a colossal tarefa de conduzir a transição da economia
centralizada para a de mercado,
Ieltsin contabilizou acertos e
erros que dividem os especialistas consultados pela Folha.
Para o americano Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de
2001, Ieltsin entra para a história como um personagem contraditório: por um lado, teve
um papel central na abertura
política russa após o colapso
soviético; por outro, minou a
confiança da população ao conduzir um processo de privatização que concentrou riqueza e
poder nas mãos de poucos.
O principal erro de Ieltsin,
diz Stiglitz, foi a chamada "terapia de choque", cujo principal defensor era o economista
americano Jeffrey Sachs. O
choque de capitalismo incluiu
a súbita suspensão do controle
estatal de câmbio e preços e o
fim dos subsídios, entre outras
medidas liberalizantes.
"A terapia de choque criou
uma enorme desigualdade na
sociedade, o que diminuiu a esperança no movimento de reforma", disse Stiglitz à Folha.
"Hoje, a Rússia é um país que
parece rico porque tem as receitas do petróleo. Entretanto,
na realidade esse dinheiro está
nas mãos de muito poucos."
Uma das principais críticas à
abertura promovida por Ieltsin
com a ajuda de jovens reformistas - que ele chamava de
"equipe camicaze"- é sobre a
velocidade das privatizações.
Em pouco tempo, grandes fatias da indústria saíram das
mãos do Estado, num processo
marcado por denúncias de irregularidades que levou ao surgimento de uma poderosa classe
econômica, a dos "oligarcas".
Embora reconheça que o governo poderia ter negociado
acordos de privatização mais
favoráveis, Daniel Treisman,
economista da Universidade da
Califórnia especializado em
Rússia, diz que o momento político vivido por Ieltsin na época explica a sua pressa.
"A privatização não criou os
oligarcas. Eles já haviam acumulado fortunas, em ligações
freqüentemente corruptas
com empreendimentos estatais. Quando ocorreram as privatizações eles puderam usar
esse dinheiro para controlar as
jóias do setor de petróleo, o que
obviamente aumentou as ambições políticas deles", disse
Treisman à Folha.
"É preciso lembrar, porém,
que essas vendas ocorreram
num momento em que os comunistas pareciam prestes a
vencer a eleição presidencial
de 1996. Se isso tivesse ocorrido, os oligarcas teriam pago
milhões por empresas que teriam sido expropriadas. Os oligarcas muitas vezes abusaram
de seu poder, mas também aumentaram a produtividade de
muitas dessas empresas de forma dramática."
Não ao maximalismo
Segundo a economista indiana Padma Desai, autora de uma
das últimas entrevistas com
Ieltsin, no fim de seu governo o
líder russo dava mostras de que
o impulso reformista que ele liderara necessitava de um freio.
"Quando perguntei a ele por
que havia escolhido Vladimir
Putin para ser seu sucessor,
Ieltsin respondeu que o que o
incomodava nos reformistas
era o seu maximalismo", lembrou à Folha a autora de "Conversations on Russia: Reform
from Yeltsin to Putin" (conversas sobre a Rússia: reforma de
Ieltsin a Putin), de 2006.
"Ele se referia à liberalização
total dos preços e do comércio
e à privatização, a um processo
que foi conduzido de modo maximalista na transição. Em seguida, acrescentou: Putin não é
um maximalista."
Stiglitz, crítico contumaz do
chamado "Consenso de Washington", aponta os erros cometidos na época pelo Fundo
Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, que, segundo ele, se guiaram excessivamente pela ideologia.
"As políticas orientadas por
Washington têm um porém:
elas não são sustentadas pela
ciência econômica. Têm origem em ideologias, por isso não
dão certo. E tudo foi feito de
acordo com a visão americana
de colocar todas as dores do
mundo nas mãos de Ieltsin, em
vez de apoiar um movimento
democrático mais amplo", disse o economista da Universidade Columbia, em Nova York.
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