São Paulo, terça-feira, 24 de abril de 2007

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Legado econômico divide analistas

Para Joseph Stiglitz, concentração de poder e riqueza minou confiança dos russos na democratização

Momento político explica pressa nas privatizações, diz economista; objetivo da nomeação de Putin foi deter "maximalismo" reformista

DENYSE GODOY
DE NOVA YORK

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Considerando o papel decisivo de Boris Ieltsin na transformação geopolítica mundial causada pelo fim do modelo soviético, é compreensível que a ambigüidade observada em sua herança política se confunda com o legado econômico das reformas que promoveu. Ao assumir a colossal tarefa de conduzir a transição da economia centralizada para a de mercado, Ieltsin contabilizou acertos e erros que dividem os especialistas consultados pela Folha.
Para o americano Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de 2001, Ieltsin entra para a história como um personagem contraditório: por um lado, teve um papel central na abertura política russa após o colapso soviético; por outro, minou a confiança da população ao conduzir um processo de privatização que concentrou riqueza e poder nas mãos de poucos.
O principal erro de Ieltsin, diz Stiglitz, foi a chamada "terapia de choque", cujo principal defensor era o economista americano Jeffrey Sachs. O choque de capitalismo incluiu a súbita suspensão do controle estatal de câmbio e preços e o fim dos subsídios, entre outras medidas liberalizantes.
"A terapia de choque criou uma enorme desigualdade na sociedade, o que diminuiu a esperança no movimento de reforma", disse Stiglitz à Folha. "Hoje, a Rússia é um país que parece rico porque tem as receitas do petróleo. Entretanto, na realidade esse dinheiro está nas mãos de muito poucos."
Uma das principais críticas à abertura promovida por Ieltsin com a ajuda de jovens reformistas - que ele chamava de "equipe camicaze"- é sobre a velocidade das privatizações. Em pouco tempo, grandes fatias da indústria saíram das mãos do Estado, num processo marcado por denúncias de irregularidades que levou ao surgimento de uma poderosa classe econômica, a dos "oligarcas".
Embora reconheça que o governo poderia ter negociado acordos de privatização mais favoráveis, Daniel Treisman, economista da Universidade da Califórnia especializado em Rússia, diz que o momento político vivido por Ieltsin na época explica a sua pressa.
"A privatização não criou os oligarcas. Eles já haviam acumulado fortunas, em ligações freqüentemente corruptas com empreendimentos estatais. Quando ocorreram as privatizações eles puderam usar esse dinheiro para controlar as jóias do setor de petróleo, o que obviamente aumentou as ambições políticas deles", disse Treisman à Folha.
"É preciso lembrar, porém, que essas vendas ocorreram num momento em que os comunistas pareciam prestes a vencer a eleição presidencial de 1996. Se isso tivesse ocorrido, os oligarcas teriam pago milhões por empresas que teriam sido expropriadas. Os oligarcas muitas vezes abusaram de seu poder, mas também aumentaram a produtividade de muitas dessas empresas de forma dramática."

Não ao maximalismo
Segundo a economista indiana Padma Desai, autora de uma das últimas entrevistas com Ieltsin, no fim de seu governo o líder russo dava mostras de que o impulso reformista que ele liderara necessitava de um freio.
"Quando perguntei a ele por que havia escolhido Vladimir Putin para ser seu sucessor, Ieltsin respondeu que o que o incomodava nos reformistas era o seu maximalismo", lembrou à Folha a autora de "Conversations on Russia: Reform from Yeltsin to Putin" (conversas sobre a Rússia: reforma de Ieltsin a Putin), de 2006.
"Ele se referia à liberalização total dos preços e do comércio e à privatização, a um processo que foi conduzido de modo maximalista na transição. Em seguida, acrescentou: Putin não é um maximalista."
Stiglitz, crítico contumaz do chamado "Consenso de Washington", aponta os erros cometidos na época pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, que, segundo ele, se guiaram excessivamente pela ideologia.
"As políticas orientadas por Washington têm um porém: elas não são sustentadas pela ciência econômica. Têm origem em ideologias, por isso não dão certo. E tudo foi feito de acordo com a visão americana de colocar todas as dores do mundo nas mãos de Ieltsin, em vez de apoiar um movimento democrático mais amplo", disse o economista da Universidade Columbia, em Nova York.


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