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Para Chomsky, causa é social, não política
DA REDAÇÃO
O recorrente antiamericanismo
europeu está enraizado na sociedade civil, não na esfera política,
pois os países dos dois lados do
Atlântico têm interesses comuns
importantes, sobretudo no campo econômico.
A análise é de Noam Chomsky,
renomado linguista e pensador
político-social americano, que é
pesquisador no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.
(MSM)
Folha - Há um crescente fenômeno de antiamericanismo na comunidade internacional?
Noam Chomsky - Em parte, sim.
Porém esse fenômeno está ligado
ao fato de que os EUA estão bastante solitários dentro da "comunidade internacional" -um termo que deveríamos evitar, pois
ele não existe fora do sistema de
propaganda ocidental.
Isso, no entanto, não é novo.
Consideremos as vezes em que
cada país utilizou seu direito de
veto no Conselho de Segurança da
ONU. Desde que o processo de
descolonização minou o controle
que os americanos tinham sobre a
ONU, nos anos 60, os EUA são o
país que mais usa os vetos.
No que se refere à Europa, não
acredito que o continente esteja se
aproximando de "Estados irresponsáveis". Apenas o aparato de
propaganda americano acredita
nisso. Assim, o recorrente antiamericanismo europeu se manifesta dentro da sociedade civil. Os
Estados apenas participam do jogo diplomático, com mais ou menos independência.
Há algum tempo, o mundo tem
evoluído em direção a um sistema
tripolar: a Europa -tendo a Alemanha como seu principal motor-, a Ásia -controlada pelo
Japão, mas com a emergência da
China e da Índia como centros de
poder- e o sistema mundial dominado pelos EUA.
Este último é predominante no
Ocidente e em regiões produtoras
de petróleo no Oriente Médio. No
que concerne à "Realpolitik", à
arena de forças, ele é esmagador,
mas não em relação a outros campos da cena internacional.
Contudo não podemos esquecer que, nas esferas em que há
grande concentração do poder
global -como no G-7 [grupo dos
sete países mais industrializados"-, há laços muito fortes que
ligam seus membros e interesses
comuns cruciais.
Folha - Decisões controversas do
presidente George W. Bush contribuem para o fortalecimento de um
sentimento antiamericano?
Chomsky - A administração de
Bush trouxe algumas mudanças,
mas nada de realmente importante. Há continuidade em políticas
que unem as duas facções [Partido Democrata e Partido Republicano" do "partido dos negócios",
que monopoliza o sistema político americano.
O sistema de defesa antimísseis,
por exemplo, faz parte de um programa muito mais abrangente de
expansão da corrida armamentista para o espaço, que já era defendido pelo comando espacial do
governo de Bill Clinton. É verdade
que há diferença no modo como
as propostas foram apresentadas,
no entanto o fio condutor de ambos os projetos é o mesmo.
Bush foi mais longe do que Clinton quando decidiu não aceitar o
Protocolo de Kyoto [que estabelece metas para o combate do efeito
estufa", mas o governo anterior já
tinha deixado claro que também
não pretendia respeitá-lo.
Nos grandes acordos sobre os
direitos dos investidores -que o
aparato de propaganda prefere
chamar de "acordos de livre comércio"-, as duas facções políticas estão unidas ao lado das grandes corporações e da imprensa.
A Alca [Área de Livre Comércio
das Américas", por exemplo,
nunca foi discutida durante a
campanha presidencial do ano
passado. Isso porque o mundo
dos negócios e os eleitores divergem quanto ao tema, como mostram as pesquisas de opinião.
Quando isso ocorre, o aparato político e a mídia não permitem que
o assunto seja levado à esfera pública, salvo em casos em que a
pressão popular é muito forte.
Há diferenças entre Bush e Clinton, porém as políticas são concebidas conforme os interesses das
instituições poderosas e dominantes. Quem não quer ver isso
faz uso de uma dose considerável
do que se convencionou chamar
de "ignorância intencional".
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