São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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Para Chomsky, causa é social, não política

DA REDAÇÃO

O recorrente antiamericanismo europeu está enraizado na sociedade civil, não na esfera política, pois os países dos dois lados do Atlântico têm interesses comuns importantes, sobretudo no campo econômico.
A análise é de Noam Chomsky, renomado linguista e pensador político-social americano, que é pesquisador no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha. (MSM)

Folha - Há um crescente fenômeno de antiamericanismo na comunidade internacional?
Noam Chomsky -
Em parte, sim. Porém esse fenômeno está ligado ao fato de que os EUA estão bastante solitários dentro da "comunidade internacional" -um termo que deveríamos evitar, pois ele não existe fora do sistema de propaganda ocidental.
Isso, no entanto, não é novo. Consideremos as vezes em que cada país utilizou seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU. Desde que o processo de descolonização minou o controle que os americanos tinham sobre a ONU, nos anos 60, os EUA são o país que mais usa os vetos.
No que se refere à Europa, não acredito que o continente esteja se aproximando de "Estados irresponsáveis". Apenas o aparato de propaganda americano acredita nisso. Assim, o recorrente antiamericanismo europeu se manifesta dentro da sociedade civil. Os Estados apenas participam do jogo diplomático, com mais ou menos independência.
Há algum tempo, o mundo tem evoluído em direção a um sistema tripolar: a Europa -tendo a Alemanha como seu principal motor-, a Ásia -controlada pelo Japão, mas com a emergência da China e da Índia como centros de poder- e o sistema mundial dominado pelos EUA.
Este último é predominante no Ocidente e em regiões produtoras de petróleo no Oriente Médio. No que concerne à "Realpolitik", à arena de forças, ele é esmagador, mas não em relação a outros campos da cena internacional.
Contudo não podemos esquecer que, nas esferas em que há grande concentração do poder global -como no G-7 [grupo dos sete países mais industrializados"-, há laços muito fortes que ligam seus membros e interesses comuns cruciais.

Folha - Decisões controversas do presidente George W. Bush contribuem para o fortalecimento de um sentimento antiamericano?
Chomsky -
A administração de Bush trouxe algumas mudanças, mas nada de realmente importante. Há continuidade em políticas que unem as duas facções [Partido Democrata e Partido Republicano" do "partido dos negócios", que monopoliza o sistema político americano.
O sistema de defesa antimísseis, por exemplo, faz parte de um programa muito mais abrangente de expansão da corrida armamentista para o espaço, que já era defendido pelo comando espacial do governo de Bill Clinton. É verdade que há diferença no modo como as propostas foram apresentadas, no entanto o fio condutor de ambos os projetos é o mesmo.
Bush foi mais longe do que Clinton quando decidiu não aceitar o Protocolo de Kyoto [que estabelece metas para o combate do efeito estufa", mas o governo anterior já tinha deixado claro que também não pretendia respeitá-lo.
Nos grandes acordos sobre os direitos dos investidores -que o aparato de propaganda prefere chamar de "acordos de livre comércio"-, as duas facções políticas estão unidas ao lado das grandes corporações e da imprensa.
A Alca [Área de Livre Comércio das Américas", por exemplo, nunca foi discutida durante a campanha presidencial do ano passado. Isso porque o mundo dos negócios e os eleitores divergem quanto ao tema, como mostram as pesquisas de opinião. Quando isso ocorre, o aparato político e a mídia não permitem que o assunto seja levado à esfera pública, salvo em casos em que a pressão popular é muito forte.
Há diferenças entre Bush e Clinton, porém as políticas são concebidas conforme os interesses das instituições poderosas e dominantes. Quem não quer ver isso faz uso de uma dose considerável do que se convencionou chamar de "ignorância intencional".



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