São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMENTÁRIO

Bush conseguiu unificar a Europa

WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"

A Europa ocidental foi unificada durante duas gerações pelo medo da União Soviética.
Agora que a economia da Rússia depende de o preço do petróleo estar alto, que sua população caiu para a metade da americana e que os restos do Exército Vermelho estão atolados na Tchetchênia, sua frágil identidade supranacional é mantida pelo ressentimento contra o poder dos EUA, que não tem rival.
Os americanos não devem ofender-se por serem objeto da força unificadora da inveja.
Quando George W. "Não-me-chamem-de-unilateralista" Bush percorre o Grande Circuito (Espanha, Suécia, Polônia e Eslovênia, em lugar de França, Alemanha e Reino Unido), ele supre nossos aliados do necessário substituto psicológico de seu temor anterior.
Assim, ex-trotskistas na França nos consideram bárbaros por impormos a pena de morte a um assassino em massa, apesar de mais detentos franceses terem cometido suicídio em 2000 do que condenados foram executados nos EUA. E os verdes europeus recitam seu mantra de que os EUA, com apenas 5% da população mundial, produzem 25% de seus poluentes -embora isso não chegue a surpreender, em se tratando do país que produz 25% dos bens e serviços do planeta.
Um par de questões relativas à defesa supre os europeus de motivos satisfatórios de irritação com os EUA. Um deles é o desejo de uma "força militar de deslocamento rápido" que não inclua elementos americanos -ao mesmo tempo em que os países europeus reduzem gastos com defesa. Vemos isso como artimanha burocrática para que possam utilizar recursos da Otan [aliança militar ocidental" sem participação americana nas decisões militares.
O outro fator de irritação é nosso desejo de podermos nos defender contra a possibilidade de dezenas de mísseis pararem nas mãos de países irresponsáveis.
Apesar do fato de que tal defesa básica não afetaria o equilíbrio estratégico entre Rússia e EUA (ambos os países possuem milhares de mísseis com os quais poderiam sobrepujar-se a qualquer defesa limitada), os europeus aceitaram o argumento de Vladimir Putin [presidente russo" de que qualquer mudança no acordo feito na Guerra Fria "poderia levar a uma nova corrida armamentista".
Depois do fim de toda a gesticulação meramente formal, eis o acordo que pode muito bem ser selado: os americanos duvidam muito que a Europa vá desembolsar o dinheiro necessário para financiar uma força independente; essa conversa de uma força independente da Otan nunca passará disso.
É conversa, nada mais. Vamos retirar, portanto, nossas objeções, sorrir e lhes desejar sucesso em sua empreitada -desde que não utilizem equipamentos da Otan nem coloquem tropas americanas em perigo.
Quanto aos europeus, muitos deles adeririam com fervor à idéia de que não estamos sequer perto de desenvolvermos um sistema que seja capaz de derrubar mísseis disparados contra nós, ou, então, que vamos constatar que custaria caro demais.
Portanto eles vão recuar de suas objeções à nossa retirada do velho tratado referente aos mísseis balísticos e, em tom condescendente, desejar sucesso aos Estados Unidos -desde que prometamos que vamos acalmar Putin e, no caso extremamente improvável de algum dia conseguirmos realizar o que hoje parece ser tecnicamente impossível, usemos nosso escudo antimísseis para proteger a Europa.
Assim, com tanto europeus quanto americanos dizendo "claro, vão em frente -sua proposta nunca vai se concretizar, de qualquer maneira", vamos fechar um grande acordo estratégico.
Esse acordo assumiu forma recentemente em Bruxelas, na Otan, quando alguns de nossos aliados manifestaram interesse em defender suas cidades da chantagem nuclear.


Tradução de Clara Allain



Texto Anterior: Para Chomsky, causa é social, não política
Próximo Texto: Entrevista: "Pai" mundial do CVV critica rumo da ONG
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.