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COMENTÁRIO
Bush conseguiu unificar a Europa
WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"
A Europa ocidental foi unificada
durante duas gerações pelo medo
da União Soviética.
Agora que a economia da Rússia depende de o preço do petróleo estar alto, que sua população
caiu para a metade da americana
e que os restos do Exército Vermelho estão atolados na Tchetchênia, sua frágil identidade supranacional é mantida pelo ressentimento contra o poder dos
EUA, que não tem rival.
Os americanos não devem ofender-se por serem objeto da força
unificadora da inveja.
Quando George W. "Não-me-chamem-de-unilateralista" Bush
percorre o Grande Circuito (Espanha, Suécia, Polônia e Eslovênia, em lugar de França, Alemanha e Reino Unido), ele supre
nossos aliados do necessário
substituto psicológico de seu temor anterior.
Assim, ex-trotskistas na França
nos consideram bárbaros por impormos a pena de morte a um assassino em massa, apesar de mais
detentos franceses terem cometido suicídio em 2000 do que condenados foram executados nos
EUA. E os verdes europeus recitam seu mantra de que os EUA,
com apenas 5% da população
mundial, produzem 25% de seus
poluentes -embora isso não
chegue a surpreender, em se tratando do país que produz 25%
dos bens e serviços do planeta.
Um par de questões relativas à
defesa supre os europeus de motivos satisfatórios de irritação com
os EUA. Um deles é o desejo de
uma "força militar de deslocamento rápido" que não inclua elementos americanos -ao mesmo
tempo em que os países europeus
reduzem gastos com defesa. Vemos isso como artimanha burocrática para que possam utilizar
recursos da Otan [aliança militar
ocidental" sem participação americana nas decisões militares.
O outro fator de irritação é nosso desejo de podermos nos defender contra a possibilidade de dezenas de mísseis pararem nas
mãos de países irresponsáveis.
Apesar do fato de que tal defesa
básica não afetaria o equilíbrio estratégico entre Rússia e EUA (ambos os países possuem milhares
de mísseis com os quais poderiam
sobrepujar-se a qualquer defesa
limitada), os europeus aceitaram
o argumento de Vladimir Putin
[presidente russo" de que qualquer mudança no acordo feito na
Guerra Fria "poderia levar a uma
nova corrida armamentista".
Depois do fim de toda a gesticulação meramente formal, eis o
acordo que pode muito bem ser
selado: os americanos duvidam
muito que a Europa vá desembolsar o dinheiro necessário para financiar uma força independente;
essa conversa de uma força independente da Otan nunca passará
disso.
É conversa, nada mais. Vamos
retirar, portanto, nossas objeções,
sorrir e lhes desejar sucesso em
sua empreitada -desde que não
utilizem equipamentos da Otan
nem coloquem tropas americanas
em perigo.
Quanto aos europeus, muitos
deles adeririam com fervor à idéia
de que não estamos sequer perto
de desenvolvermos um sistema
que seja capaz de derrubar mísseis disparados contra nós, ou,
então, que vamos constatar que
custaria caro demais.
Portanto eles vão recuar de suas
objeções à nossa retirada do velho
tratado referente aos mísseis balísticos e, em tom condescendente, desejar sucesso aos Estados
Unidos -desde que prometamos que vamos acalmar Putin e,
no caso extremamente improvável de algum dia conseguirmos
realizar o que hoje parece ser tecnicamente impossível, usemos
nosso escudo antimísseis para
proteger a Europa.
Assim, com tanto europeus
quanto americanos dizendo "claro, vão em frente -sua proposta
nunca vai se concretizar, de qualquer maneira", vamos fechar um
grande acordo estratégico.
Esse acordo assumiu forma recentemente em Bruxelas, na
Otan, quando alguns de nossos
aliados manifestaram interesse
em defender suas cidades da
chantagem nuclear.
Tradução de Clara Allain
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