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RELIGIÃO
Para especialistas cristãos, o foco do pensamento está nos Estados Unidos e se tornou mais pujante durante o governo Bush
Fundamentalismo cristão ocidental ganha força
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Num mundo aterrorizado pelo
terrorismo islâmico, três teólogos
cristãos de diferentes religiões
alertam sobre outro tipo de fundamentalismo que está crescendo
no mundo: o cristão ocidental.
Entrevistados pela Folha, o batista norte-americano Harvey
Cox, o presbiteriano brasileiro
Rubem Alves e o católico espanhol Xavier Pikaza concordam
num ponto: a idéia de um choque
de civilizações, a partir da tentativa de oposição de uma doutrina
ocidental cristã moderna a uma
islâmica atrasada, tem propiciado
um campo fértil para o crescimento do fundamentalismo no
Ocidente. Para os três, o foco mais
importante desse fundamentalismo está nos Estados Unidos e ganhou força no governo do presidente Bush.
Cox, Pikaza e Alves se reunirão
de 26 a 30 deste mês na cidade de
Mendes (no sul fluminense) com
outros teólogos progressistas para participar do Fórum Internacional de Teologia Contemporânea. Em comum aos três está o fato de já terem sido punidos ou criticados pelas cúpulas de suas igrejas por seu posicionamento marxista ou por filosofias próximas à
Teologia da Libertação.
Cox, professor de teologia da
Universidade Harvard, desagradou à Igreja Batista americana
por defender exilados nicaragüenses durante o boicote imposto pelo governo Reagan, após a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional contra o governo apoiado pelos EUA.
Alves foi acusado, em 1968, pelas autoridades da Igreja Presbiteriana de ser subversivo, e Pikaza
foi proibido pela Igreja Católica
de dar aulas na Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade
de Salamanca por causa de sua
leitura marxista da Bíblia.
"Estamos assistindo a um problema sério nos Estados Unidos
porque muitos estão vendo o islã
como a religião do mal, sugerindo
que estamos numa espécie de nova cruzada ou num choque de civilizações. Isso alimenta o fundamentalismo cristão porque obscurece as verdadeiras razões de
guerras como a do Iraque e a do
Afeganistão", afirma Cox.
Pikaza concorda: "Uma parte
considerável da política externa
norte-americana é movida por esse novo fundamentalismo cristão
dos Estados Unidos, que entende
a verdade de modo agressivo, como um dom de Deus a ser estendido ao resto do mundo".
Para o espanhol, o 11 de Setembro foi "um presente" para os líderes desse fundamentalismo
ocidental por ter dado um pretexto para impor valores religiosos,
políticos e econômicos a outros
países. "Estão promovendo um
tipo de cruzada muito pior do que
a feita contra os muçulmanos nos
séculos 12 e 13 porque se tenta impor valores capitalistas que nada
têm a ver com o cristianismo,
com um mercado convertido em
Deus único", afirma Pikaza.
"Qualquer fundamentalismo,
político ou religioso, é perigoso.
Quando Bush invocou diálogos
diários com Jesus para justificar
seus atos de guerra, estava sendo
fanático. Terroristas são fanáticos
religiosos e políticos. O fundamentalismo religioso e o político
se complementam", diz Alves.
Apesar de suas fortes convicções anti-Bush, os três teólogos
também acreditam ser importante discutir novas formas de aproximação com os pobres e listam
erros cometidos no passado pela
Teologia da Libertação.
Para Cox, é preciso encontrar
novas formas de se aproximar dos
mais pobres sem ignorar que, para essa população, a religião continua sendo uma experiência mística, que não deve ser substituída
por uma doutrina politizada.
"A primeira geração da Teologia da Libertação deu uma enorme contribuição para o cristianismo, mas eles cometeram o erro de
tentar fazer a aproximação com
os pobres de maneira muito intelectualizada, focada demasiadamente em pensamentos e palavras. Eles ignoraram que esses pobres vivem num mundo onde é
importante também ter um elemento mágico", diz o professor
de Harvard.
Para Alves, a busca por "milagres", por exemplo, sempre foi
um elemento da devoção cristã,
que tem lugar até mesmo entre a
população mais escolarizada.
"É curioso que um grande número de pessoas, inclusive aquelas educadas na tradição da psicanálise e da sociologia, procurem
milagreiros numa esperança de
cura para sua doença incurável.
As rezas, centrais à piedade cristã,
não estão baseadas na crença do
milagre? Ora-se pedindo que
Deus atenda o pedido, que Deus
dê a bênção. Isto é: pedindo que
Deus faça o milagre. Por isso, não
se pode esperar que os pobres,
premidos pelas necessidades diárias mais básicas, se ponham a
pensar em questões sociais. São
os limites do corpo que determinam os limites do pensamento",
afirma Alves.
Apesar dessa reflexão sobre os
erros do passado, os três concordam que a religião continuará
tendo um papel importante no
campo político. "Queremos que
as igrejas sejam independentes
dos Estados, mas não para se converterem em grupos exclusivamente intimistas. Elas podem e
devem mostrar-se como promotoras de experiências e caminhos
de comunicação e esperança para
o conjunto da humanidade", afirma Pikaza.
"Dizem os poemas da Criação
que Deus nos deu a vocação de
jardineiros. Cuidar da terra, para
que ela seja um jardim. Mas é preciso expulsar do jardim as cobras,
os escorpiões, os lobos... Diante
da crise atual do Brasil, seria vergonhoso que os púlpitos falassem
sobre anjos", diz Alves.
Na opinião de Cox, há métodos
apropriados e inapropriados de
influência na política. Ela afirma,
entretanto, que impor ao cristianismo uma distância das questões
políticas é negar a essência dessas
religiões: "A mensagem de Jesus
foi em busca de justiça, paz e conciliação já neste mundo. Não foi à
toa que ele foi, corretamente, visto
como uma ameaça ao poder político da época".
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