São Paulo, domingo, 24 de julho de 2005

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RELIGIÃO

Para especialistas cristãos, o foco do pensamento está nos Estados Unidos e se tornou mais pujante durante o governo Bush

Fundamentalismo cristão ocidental ganha força

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Num mundo aterrorizado pelo terrorismo islâmico, três teólogos cristãos de diferentes religiões alertam sobre outro tipo de fundamentalismo que está crescendo no mundo: o cristão ocidental.
Entrevistados pela Folha, o batista norte-americano Harvey Cox, o presbiteriano brasileiro Rubem Alves e o católico espanhol Xavier Pikaza concordam num ponto: a idéia de um choque de civilizações, a partir da tentativa de oposição de uma doutrina ocidental cristã moderna a uma islâmica atrasada, tem propiciado um campo fértil para o crescimento do fundamentalismo no Ocidente. Para os três, o foco mais importante desse fundamentalismo está nos Estados Unidos e ganhou força no governo do presidente Bush.
Cox, Pikaza e Alves se reunirão de 26 a 30 deste mês na cidade de Mendes (no sul fluminense) com outros teólogos progressistas para participar do Fórum Internacional de Teologia Contemporânea. Em comum aos três está o fato de já terem sido punidos ou criticados pelas cúpulas de suas igrejas por seu posicionamento marxista ou por filosofias próximas à Teologia da Libertação.
Cox, professor de teologia da Universidade Harvard, desagradou à Igreja Batista americana por defender exilados nicaragüenses durante o boicote imposto pelo governo Reagan, após a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional contra o governo apoiado pelos EUA.
Alves foi acusado, em 1968, pelas autoridades da Igreja Presbiteriana de ser subversivo, e Pikaza foi proibido pela Igreja Católica de dar aulas na Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade de Salamanca por causa de sua leitura marxista da Bíblia.
"Estamos assistindo a um problema sério nos Estados Unidos porque muitos estão vendo o islã como a religião do mal, sugerindo que estamos numa espécie de nova cruzada ou num choque de civilizações. Isso alimenta o fundamentalismo cristão porque obscurece as verdadeiras razões de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão", afirma Cox.
Pikaza concorda: "Uma parte considerável da política externa norte-americana é movida por esse novo fundamentalismo cristão dos Estados Unidos, que entende a verdade de modo agressivo, como um dom de Deus a ser estendido ao resto do mundo".
Para o espanhol, o 11 de Setembro foi "um presente" para os líderes desse fundamentalismo ocidental por ter dado um pretexto para impor valores religiosos, políticos e econômicos a outros países. "Estão promovendo um tipo de cruzada muito pior do que a feita contra os muçulmanos nos séculos 12 e 13 porque se tenta impor valores capitalistas que nada têm a ver com o cristianismo, com um mercado convertido em Deus único", afirma Pikaza.
"Qualquer fundamentalismo, político ou religioso, é perigoso. Quando Bush invocou diálogos diários com Jesus para justificar seus atos de guerra, estava sendo fanático. Terroristas são fanáticos religiosos e políticos. O fundamentalismo religioso e o político se complementam", diz Alves.
Apesar de suas fortes convicções anti-Bush, os três teólogos também acreditam ser importante discutir novas formas de aproximação com os pobres e listam erros cometidos no passado pela Teologia da Libertação.
Para Cox, é preciso encontrar novas formas de se aproximar dos mais pobres sem ignorar que, para essa população, a religião continua sendo uma experiência mística, que não deve ser substituída por uma doutrina politizada.
"A primeira geração da Teologia da Libertação deu uma enorme contribuição para o cristianismo, mas eles cometeram o erro de tentar fazer a aproximação com os pobres de maneira muito intelectualizada, focada demasiadamente em pensamentos e palavras. Eles ignoraram que esses pobres vivem num mundo onde é importante também ter um elemento mágico", diz o professor de Harvard.
Para Alves, a busca por "milagres", por exemplo, sempre foi um elemento da devoção cristã, que tem lugar até mesmo entre a população mais escolarizada.
"É curioso que um grande número de pessoas, inclusive aquelas educadas na tradição da psicanálise e da sociologia, procurem milagreiros numa esperança de cura para sua doença incurável. As rezas, centrais à piedade cristã, não estão baseadas na crença do milagre? Ora-se pedindo que Deus atenda o pedido, que Deus dê a bênção. Isto é: pedindo que Deus faça o milagre. Por isso, não se pode esperar que os pobres, premidos pelas necessidades diárias mais básicas, se ponham a pensar em questões sociais. São os limites do corpo que determinam os limites do pensamento", afirma Alves.
Apesar dessa reflexão sobre os erros do passado, os três concordam que a religião continuará tendo um papel importante no campo político. "Queremos que as igrejas sejam independentes dos Estados, mas não para se converterem em grupos exclusivamente intimistas. Elas podem e devem mostrar-se como promotoras de experiências e caminhos de comunicação e esperança para o conjunto da humanidade", afirma Pikaza.
"Dizem os poemas da Criação que Deus nos deu a vocação de jardineiros. Cuidar da terra, para que ela seja um jardim. Mas é preciso expulsar do jardim as cobras, os escorpiões, os lobos... Diante da crise atual do Brasil, seria vergonhoso que os púlpitos falassem sobre anjos", diz Alves.
Na opinião de Cox, há métodos apropriados e inapropriados de influência na política. Ela afirma, entretanto, que impor ao cristianismo uma distância das questões políticas é negar a essência dessas religiões: "A mensagem de Jesus foi em busca de justiça, paz e conciliação já neste mundo. Não foi à toa que ele foi, corretamente, visto como uma ameaça ao poder político da época".


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