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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Vinte ônibus retiram brasileiros do Bekaa
Alívio e preocupação tomam conta da comunidade de 6.000 imigrantes na região atingida por bombardeios israelenses
Até o fim desta semana, pelo menos 975 brasileiros devem ser retirados do Líbano via Síria em cinco vôos da FAB e dois da TAM
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO VALE DO BEKAA
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Se não houver mais um cancelamento de última hora, termina hoje para cerca de mil cidadãos brasileiros a angústia de
ficar isolados numa área de
conflito. Nos 20 ônibus que
partem em dois turnos do vale
do Bekaa, no leste do Líbano,
eles deixam para trás o desejo
de uma volta às origens, em troca de um refúgio dos bombardeios diários na região nos últimos 12 dias.
Depois da frustração com o
cancelamento da operação de
retirada de cerca de 800 brasileiros que ocorreria na última
sexta, um novo comboio foi organizado por líderes da comunidade, que ajudaram o consulado em Beirute a fretar ônibus
e convocar interessados.
Segundo o Itamaraty, por segurança, o Exército de Israel
impediu que o comboio usasse
uma estrada na parte oriental
do Líbano, pela qual a viagem
levaria 90 minutos, e ordenou
que ele seguisse pelo norte,
num trajeto de 14 horas.
Mas os coordenadores da
operação no vale relutavam em
seguir a ordem. Preferiam percorrer apenas 7 km até a fronteira com a Síria, apesar do risco, e dali seguir para Damasco,
onde embarcarão para o Brasil.
Por causa do número limitado de vôos da FAB (Força Aérea
Brasileira), a retirada completa
das cerca de 1.300 pessoas que
formalizaram pedidos de retorno deve durar até a semana que
vem, caso não suba a demanda.
Até o fim de semana, pelo
menos 975 brasileiros terão sido retirados via Síria em cinco
vôos da FAB e dois da TAM. Um
Airbus da empresa, que já estava no Oriente Médio e tem capacidade para 225 pessoas, decolará de Damasco na quarta. A
aeronave poderá retornar a seguir para mais um vôo da Síria,
em operação paga pela TAM.
Amanhã o Itamaraty pode
anunciar a adesão de outras
empresas ao plano de retirada.
Dois vôos da FAB já decolaram
da Síria com brasileiros -um
dos quais, com 150 pessoas,
chegará na tarde de hoje a São
Paulo. Ontem, outros 73 brasileiros deixaram o Líbano em
um navio canadense.
Cidade fantasma
O medo transformou agitadas localidades do Bekaa em cidades fantasmas. O isolamento
aumentou com o bombardeio
de vias de acesso a Beirute e a
Damasco. Da estrada que liga a
capital ao vale, a reportagem da
Folha presenciou três ataques,
que aparentemente visavam
depósitos e fábricas.
Ontem, enquanto se preparavam para partir, escolhendo
o que incluir nos dez quilos de
bagagem a que cada um tem direito, os brasileiros exibiam alívio e preocupação. "É muito difícil deixar tudo de uma hora
para outra", diz Maamoun Saif
na varanda de sua casa, na cidade de Sultan Yaakub.
Maamoun -que levará a mulher e os dois filhos de volta ao
bairro paulistano do Tatuapé,
que deixou há oito anos- vive a
experiência de ser um refugiado de guerra pela segunda vez.
Em 1982, quando Israel invadiu
o Líbano, ele estudava em Beirute e teve menos tempo para
sair. "Tive que deixar o país vestido com as roupas da minha
tia, porque estava sem passaporte", conta um sorridente
Maamoun, que repete hoje a
travessia da fronteira síria.
No Bekaa, onde calcula-se
que haja pelo menos 6.000 cidadãos do país, o Brasil está em
toda parte, da loja de roupas femininas "Belíssima" ao salão
de manicure que oferece seus
serviços de depilação em português. "Não há uma só casa
aqui em que não haja pelo menos uma pessoa que fale português", diz o paulistano Mohamad Abduni, vereador em Sultan Yaakub e um dos organizadores do comboio. Em tempos
de guerra, conta, a bandeira do
Brasil deixou de ser um símbolo de patriotismo para tornar-se instrumento de autodefesa.
"Sei que os israelenses gostam do Brasil, por isso coloquei
a bandeira na porta de casa",
diz Abduni, que mora a poucos
quilômetros da fábrica de móveis bombardeada por Israel
onde morreu o brasileiro Dib
Barakat, na semana passada.
Os brasileiros estão por todos os lados, e é bem possível
que os ônibus de hoje não sejam suficientes para a demanda
dos que querem partir. Quem
não pode deixar a vida construída no Líbano tenta ao menos salvar a família. É o caso de
Ahmad Youssef Mourad, que
tem uma oficina de costura em
Ghazi. Hoje ele se despede dos
quatro filhos e da mulher.
"Dá muito medo, mas não
posso deixar tudo de repente",
lamenta o alfaiate. "Um dos
mísseis caiu aqui perto, mas tenho certeza de que o alvo era o
cruzamento em frente à minha
oficina. Sorte que erraram."
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