São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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ANÁLISE

Uma visão nova para a Europa

SERGIO AMARAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ainda sob o impacto da rejeição ao Tratado Constitucional na França, por 55% dos votos, e nos Países Baixos, por uma percentual ainda maior (65%), o primeiro-ministro de Luxemburgo, então presidente do Conselho Europeu, não hesitou em declarar que a Europa se encontrava numa crise profunda.
Na verdade, o mal estar em relação à integração não é novo, mesmo na França, um dos motores da construção européia. O Tratado de Maastricht, que definiu as condições para a adoção do euro, foi aprovado por estreita margem e com a oposição de 49,2% dos franceses.
Na eleição presidencial de 2002, o partido nacionalista dirigido por Le Pen recebeu expressiva votação. Mais recentemente, a adesão de dez novos membros e, por conseguinte, a necessidade de desenhar um novo processo decisório aprofundaram a desconfiança em relação aos "burocratas de Bruxelas" e a percepção de um déficit democrático. A vaga liberalizante que varreu a Europa concorreu igualmente para acentuar um sentimento difuso de insegurança quanto ao emprego e à resistência a toda forma de saída de investimentos ou de ingresso de imigrantes.
Dominique de Moísi, um dos mais lúcidos analistas da cena européia, em tom sarcástico e provocador, vislumbrou em artigo recente três possíveis desdobramentos para as incertezas que dominam a Europa: primeiro, de o continente tornar-se uma espécie de Veneza da era global, "a relíquia de uma civilização que já dominou o mundo, mas agora se resigna a ser o museu desta civilização que aperfeiçoou a arte de viver bem, trabalhando pouco".
O segundo cenário seria o de uma Magna Helvetia, uma grande Suíça próspera, com bolsões de êxito tecnológico. Por fim, a prevalência de um nacionalismo mesquinho e populista, com características que comprometeriam a essência da própria integração européia.
A alternativa a esses cenários pessimistas estaria num compromisso entre as várias visões de Europa, a partir de um projeto renovador, conduzido por novas lideranças na Alemanha, na França e na Itália. Tony Blair seria, nas presentes circunstâncias, o dirigente em condições de conduzir este processo de mudanças.
Se Blair tem ou não condições de liderar essas transformações, só os próximos anos dirão. Ao assumir a presidência da UE, em julho, Blair externou, num pronunciamento perante o Parlamento europeu, sua visão de uma nova Europa: a questão não está entre Europa do livre mercado e Europa social, entre os que querem dar marcha a ré de volta ao mercado comum e os que desejam avançar em direção a um projeto político. Mas em responder às demandas da população, apreensiva com a globalização, a segurança do emprego, aposentadorias e níveis de vida. As pessoas sentem as mudanças, as rupturas nas comunidades tradicionais, as transformações nos padrões étnicos, o estresse nas famílias. E buscam uma resposta.
Blair enunciou também os pontos centrais de uma nova agenda:
- Modernizar o modelo social. É preciso reconhecer as suas conquistas, mas também suas deficiências: 20 milhões de desempregados, produtividade em declínio; número de graduados em ciências menor do que na Índia; e indicadores de uma economia moderna capacitação, Pesquisa e Desenvolvimento, patentes em queda. Entre as 20 mais importantes universidades do mundo, só duas são européias.
- Rever a Política Agrícola Comum, pois é inconcebível que a UE continue a gastar 40% de seu orçamento no subsídio a agricultores que representam apenas 5% da população. Essa posição, apoiada por outros países europeus, abre a expectativa de avanço nas negociações em agricultura, talvez não a tempo de atender ao calendário hoje previsto para os acordos na OMC e Mercosul-UE.
- Por em execução as reformas liberalizantes aprovadas pelo Conselho Europeu de Lisboa e assim recriar as condições para a volta do crescimento, hoje estacionado em magros 1.3%.
O enunciado deixa claro o teor liberal da proposta. Antecipa também as dificuldades de sua realização. O debate será acirrado e longo. Mas é inegável que a iniciativa Blair pôs sobre a mesa uma agenda concreta onde não havia alguma, seja à direita, seja à esquerda. E sua visão parece mais sintonizada com os anseios das novas gerações. As eleições na Alemanha este mês e na França em 2006 indicarão se suas idéias serão viáveis. A julgar pelas pesquisas de opinião, parece que sim.


Sergio Amaral, diplomata e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

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