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ANÁLISE
Uma visão nova para a Europa
SERGIO AMARAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ainda sob o impacto da rejeição
ao Tratado Constitucional na
França, por 55% dos votos, e nos
Países Baixos, por uma percentual ainda maior (65%), o primeiro-ministro de Luxemburgo, então presidente do Conselho Europeu, não hesitou em declarar que
a Europa se encontrava numa crise profunda.
Na verdade, o mal estar em relação à integração não é novo, mesmo na França, um dos motores da
construção européia. O Tratado
de Maastricht, que definiu as condições para a adoção do euro, foi
aprovado por estreita margem e
com a oposição de 49,2% dos
franceses.
Na eleição presidencial de 2002,
o partido nacionalista dirigido
por Le Pen recebeu expressiva votação. Mais recentemente, a adesão de dez novos membros e, por
conseguinte, a necessidade de desenhar um novo processo decisório aprofundaram a desconfiança
em relação aos "burocratas de
Bruxelas" e a percepção de um
déficit democrático. A vaga liberalizante que varreu a Europa
concorreu igualmente para acentuar um sentimento difuso de insegurança quanto ao emprego e à
resistência a toda forma de saída
de investimentos ou de ingresso
de imigrantes.
Dominique de Moísi, um dos
mais lúcidos analistas da cena européia, em tom sarcástico e provocador, vislumbrou em artigo
recente três possíveis desdobramentos para as incertezas que dominam a Europa: primeiro, de o
continente tornar-se uma espécie
de Veneza da era global, "a relíquia de uma civilização que já dominou o mundo, mas agora se resigna a ser o museu desta civilização que aperfeiçoou a arte de viver bem, trabalhando pouco".
O segundo cenário seria o de
uma Magna Helvetia, uma grande
Suíça próspera, com bolsões de
êxito tecnológico. Por fim, a prevalência de um nacionalismo
mesquinho e populista, com características que comprometeriam a essência da própria integração européia.
A alternativa a esses cenários
pessimistas estaria num compromisso entre as várias visões de Europa, a partir de um projeto renovador, conduzido por novas lideranças na Alemanha, na França e
na Itália. Tony Blair seria, nas presentes circunstâncias, o dirigente
em condições de conduzir este
processo de mudanças.
Se Blair tem ou não condições
de liderar essas transformações,
só os próximos anos dirão. Ao assumir a presidência da UE, em julho, Blair externou, num pronunciamento perante o Parlamento
europeu, sua visão de uma nova
Europa: a questão não está entre
Europa do livre mercado e Europa social, entre os que querem dar
marcha a ré de volta ao mercado
comum e os que desejam avançar
em direção a um projeto político.
Mas em responder às demandas
da população, apreensiva com a
globalização, a segurança do emprego, aposentadorias e níveis de
vida. As pessoas sentem as mudanças, as rupturas nas comunidades tradicionais, as transformações nos padrões étnicos, o estresse nas famílias. E buscam uma
resposta.
Blair enunciou também os pontos centrais de uma nova agenda:
- Modernizar o modelo social. É
preciso reconhecer as suas conquistas, mas também suas deficiências: 20 milhões de desempregados, produtividade em declínio; número de graduados em
ciências menor do que na Índia; e
indicadores de uma economia
moderna capacitação, Pesquisa e
Desenvolvimento, patentes em
queda. Entre as 20 mais importantes universidades do mundo,
só duas são européias.
- Rever a Política Agrícola Comum, pois é inconcebível que a
UE continue a gastar 40% de seu
orçamento no subsídio a agricultores que representam apenas 5%
da população. Essa posição,
apoiada por outros países europeus, abre a expectativa de avanço
nas negociações em agricultura,
talvez não a tempo de atender ao
calendário hoje previsto para os
acordos na OMC e Mercosul-UE.
- Por em execução as reformas
liberalizantes aprovadas pelo
Conselho Europeu de Lisboa e assim recriar as condições para a
volta do crescimento, hoje estacionado em magros 1.3%.
O enunciado deixa claro o teor
liberal da proposta. Antecipa
também as dificuldades de sua
realização. O debate será acirrado
e longo. Mas é inegável que a iniciativa Blair pôs sobre a mesa uma
agenda concreta onde não havia
alguma, seja à direita, seja à esquerda. E sua visão parece mais
sintonizada com os anseios das
novas gerações. As eleições na
Alemanha este mês e na França
em 2006 indicarão se suas idéias
serão viáveis. A julgar pelas pesquisas de opinião, parece que sim.
Sergio Amaral, diplomata e ex-ministro
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
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