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ORIENTE MÉDIO
Em "The Embassy Is in the Building", sucesso no país, cineasta usa humor para abordar relações com Israel
Novo filme do Egito faz graça de conflito
MICHAEL SLACKMAN
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO
O público cinematográfico do
Egito não está acostumado a rir
sobre o conflito árabe com Israel,
nem a ver diplomatas israelenses
retratados como "gente como a
gente". Entretanto, no filme "The
Embassy Is in the Building" (a
embaixada fica no prédio), sucesso de bilheteria no Egito, o diretor
Amro Arafa utiliza o humor para
tentar levar os espectadores egípcios a refletir sobre uma questão
de suma seriedade: que a paz com
Israel é do interesse do Egito.
"Assinamos a paz com esse
país", diz um agente de segurança
do Estado em uma cena crucial do
filme. "Essa é a política de nosso
país, e é interesse nosso. Você
quer ser contra os interesses nacionais?" O agente, que também
fala da necessidade de "convivência pacífica", está conversando
com um personagem representado por Adel Imam, o mais famoso
ator cômico do Egito.
""The Embassy Is in the Building", que continua em cartaz no
Egito, foi o filme egípcio que teve
a segunda maior bilheteria nos cinemas do país neste ano, tendo
arrecadado quase US$ 3 milhões
até agora. O filme mostra a sociedade egípcia sob uma ótica irônica. Seu personagem central vive
em Dubai e tem pendor por mulheres belas e casadas. Ele é demitido depois de ter um caso com a
mulher de seu chefe e retorna ao
Egito, onde descobre que o embaixador israelense, David Cohen, se mudou para seu edifício.
O filme zomba dos esquerdistas
que ainda se apegam ao nacionalismo pan-árabe e do poeta nacionalista Amal Donqol, que escreveu um poema dizendo que Egito
e Israel jamais poderão ter relações normais. Mostra fundamentalistas islâmicos como homens
bizarros e armados, e ridiculariza
o canal de TV Al Jazira.
Mas "The Embassy Is in the
Building" não quer apenas provocar risos. Segundo os críticos, observadores políticos e o próprio
diretor, o filme é um esforço, embora desajeitado, de utilizar o cinema para levar os espectadores a
levar em conta ao menos a idéia
de que a paz com Israel pode ser
boa para o país, mesmo que Israel
siga objeto do ódio egípcio.
"Não temos um problema com
os israelenses ou os judeus, e sim
com o governo israelense", disse o
diretor Amro Arafa, repetindo
uma distinção semântica que, no
passado, era comumente traçada
no Egito, mas que caiu em desuso
desde que a segunda Intifada ganhou força, em 2000. "Esse é o
primeiro filme a tratar diretamente do problema de "por que odiamos o governo israelense"."
Uma pessoa não familiarizada
com o conflito dificilmente sairia
do cinema com a impressão de
que o filme faz qualquer espécie
de gesto conciliatório. Durante o
filme inteiro os personagens carregam nas expressões de sentimento antiisraelense. A história
termina com um garoto palestino
bonito e heróico sendo morto por
israelenses e com cenas de uma
manifestação diante da embaixada israelense no Egito sob gritos
de "abaixo a ocupação israelense!
Abaixo os assassinos de crianças!
Abaixo os inimigos da paz! Abaixo os assentamentos!".
Mas é interessante analisar como o filme é visto por algumas
pessoas que sobreviveram ao caos
e ao ódio que há tantos anos consomem o Oriente Médio.
"Quando vejo o filme com calma, depois de assentada a poeira,
enxergo algumas coisas boas",
disse Jacob Setti, adido de imprensa da embaixada israelense
no Cairo. "É o primeiro filme que
vejo que trata a embaixada israelense como algo normal. Ela fica
no Cairo e funciona como qualquer outro lugar. Outro ponto é
que o filme mostra o embaixador
israelense como alguém que está
fazendo seu trabalho e que fala
árabe, como falam muitos embaixadores. A terceira questão é que
até mesmo o filme admite que
existe um bom nível de relacionamento entre os dois governos, e
acho que, no futuro, veremos esse
relacionamento se desenvolver."
O crítico de cinema Tarek El
Shenawy disse que a última cena
de protesto do filme reflete uma
nova perspectiva, na medida em
que os manifestantes não pedem
que a embaixada deixe o Cairo
nem reivindicam o fim das relações com Israel. "O filme transmite uma mensagem do governo:
"Não odeie Israel, não ame Israel
-apenas esqueça-o'", disse ele.
Para analistas, "The Embassy Is
in the Building" é fruto de uma
transformação mais ampla que
está acontecendo na sociedade
egípcia. No passado, o governo
não permitia qualquer crítica ao
presidente ou a sua política.
As passeatas de protesto contra
a política doméstica podem não
ter desencadeado um movimento
oposicionista amplo, mas assinalam uma mudança de foco da minoria que se manifesta, e que, em
lugar de política externa, passou a
criticar a política interna. A primeira campanha eleitoral para a
Presidência contando com mais
de um candidato terminou neste
mês e foi criticada por ser curta
-durou apenas 19 dias-, mas os
candidatos oposicionistas percorreram o país discursando sobre
questões internas, sendo que o tema de Israel apareceu poucas vezes durante a campanha.
Que Imam faz o público rir não
está em dúvida. Mas as opiniões
ainda se dividem quanto a se sua
comédia pode ou não ajudar a
promover uma visão mais moderada das relações com Israel.
"Adorei o filme", disse Reem
Abdel Nasser, 19, quando saiu do
cinema na semana passada. "Ele
trata dos problemas e das questões que nos preocupam e nos
deixam confusos. E ele apresenta
uma solução diplomática para o
problema israelo-árabe, uma opção com a qual eu concordo. Precisamos conviver com eles. Não
precisamos ser amigos, mas tampouco temos que ser inimigos. Só
precisamos conviver."
Mas não foi essa a opinião de
seu pai, Gamal Abdel Nasser. "O
filme passa a mensagem de que as
pessoas devem acordar e compreender Israel. É um problema
muito difícil de resolver, e a única
maneira de resolvê-lo é pela força.
Aquilo que foi tirado pela força
deve ser restaurado pela força."
Tradução de Clara Allain
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