São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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ORIENTE MÉDIO

Em "The Embassy Is in the Building", sucesso no país, cineasta usa humor para abordar relações com Israel

Novo filme do Egito faz graça de conflito

MICHAEL SLACKMAN
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO

O público cinematográfico do Egito não está acostumado a rir sobre o conflito árabe com Israel, nem a ver diplomatas israelenses retratados como "gente como a gente". Entretanto, no filme "The Embassy Is in the Building" (a embaixada fica no prédio), sucesso de bilheteria no Egito, o diretor Amro Arafa utiliza o humor para tentar levar os espectadores egípcios a refletir sobre uma questão de suma seriedade: que a paz com Israel é do interesse do Egito.
"Assinamos a paz com esse país", diz um agente de segurança do Estado em uma cena crucial do filme. "Essa é a política de nosso país, e é interesse nosso. Você quer ser contra os interesses nacionais?" O agente, que também fala da necessidade de "convivência pacífica", está conversando com um personagem representado por Adel Imam, o mais famoso ator cômico do Egito.
""The Embassy Is in the Building", que continua em cartaz no Egito, foi o filme egípcio que teve a segunda maior bilheteria nos cinemas do país neste ano, tendo arrecadado quase US$ 3 milhões até agora. O filme mostra a sociedade egípcia sob uma ótica irônica. Seu personagem central vive em Dubai e tem pendor por mulheres belas e casadas. Ele é demitido depois de ter um caso com a mulher de seu chefe e retorna ao Egito, onde descobre que o embaixador israelense, David Cohen, se mudou para seu edifício.
O filme zomba dos esquerdistas que ainda se apegam ao nacionalismo pan-árabe e do poeta nacionalista Amal Donqol, que escreveu um poema dizendo que Egito e Israel jamais poderão ter relações normais. Mostra fundamentalistas islâmicos como homens bizarros e armados, e ridiculariza o canal de TV Al Jazira.
Mas "The Embassy Is in the Building" não quer apenas provocar risos. Segundo os críticos, observadores políticos e o próprio diretor, o filme é um esforço, embora desajeitado, de utilizar o cinema para levar os espectadores a levar em conta ao menos a idéia de que a paz com Israel pode ser boa para o país, mesmo que Israel siga objeto do ódio egípcio.
"Não temos um problema com os israelenses ou os judeus, e sim com o governo israelense", disse o diretor Amro Arafa, repetindo uma distinção semântica que, no passado, era comumente traçada no Egito, mas que caiu em desuso desde que a segunda Intifada ganhou força, em 2000. "Esse é o primeiro filme a tratar diretamente do problema de "por que odiamos o governo israelense"."
Uma pessoa não familiarizada com o conflito dificilmente sairia do cinema com a impressão de que o filme faz qualquer espécie de gesto conciliatório. Durante o filme inteiro os personagens carregam nas expressões de sentimento antiisraelense. A história termina com um garoto palestino bonito e heróico sendo morto por israelenses e com cenas de uma manifestação diante da embaixada israelense no Egito sob gritos de "abaixo a ocupação israelense! Abaixo os assassinos de crianças! Abaixo os inimigos da paz! Abaixo os assentamentos!".
Mas é interessante analisar como o filme é visto por algumas pessoas que sobreviveram ao caos e ao ódio que há tantos anos consomem o Oriente Médio.
"Quando vejo o filme com calma, depois de assentada a poeira, enxergo algumas coisas boas", disse Jacob Setti, adido de imprensa da embaixada israelense no Cairo. "É o primeiro filme que vejo que trata a embaixada israelense como algo normal. Ela fica no Cairo e funciona como qualquer outro lugar. Outro ponto é que o filme mostra o embaixador israelense como alguém que está fazendo seu trabalho e que fala árabe, como falam muitos embaixadores. A terceira questão é que até mesmo o filme admite que existe um bom nível de relacionamento entre os dois governos, e acho que, no futuro, veremos esse relacionamento se desenvolver."
O crítico de cinema Tarek El Shenawy disse que a última cena de protesto do filme reflete uma nova perspectiva, na medida em que os manifestantes não pedem que a embaixada deixe o Cairo nem reivindicam o fim das relações com Israel. "O filme transmite uma mensagem do governo: "Não odeie Israel, não ame Israel -apenas esqueça-o'", disse ele.
Para analistas, "The Embassy Is in the Building" é fruto de uma transformação mais ampla que está acontecendo na sociedade egípcia. No passado, o governo não permitia qualquer crítica ao presidente ou a sua política.
As passeatas de protesto contra a política doméstica podem não ter desencadeado um movimento oposicionista amplo, mas assinalam uma mudança de foco da minoria que se manifesta, e que, em lugar de política externa, passou a criticar a política interna. A primeira campanha eleitoral para a Presidência contando com mais de um candidato terminou neste mês e foi criticada por ser curta -durou apenas 19 dias-, mas os candidatos oposicionistas percorreram o país discursando sobre questões internas, sendo que o tema de Israel apareceu poucas vezes durante a campanha.
Que Imam faz o público rir não está em dúvida. Mas as opiniões ainda se dividem quanto a se sua comédia pode ou não ajudar a promover uma visão mais moderada das relações com Israel.
"Adorei o filme", disse Reem Abdel Nasser, 19, quando saiu do cinema na semana passada. "Ele trata dos problemas e das questões que nos preocupam e nos deixam confusos. E ele apresenta uma solução diplomática para o problema israelo-árabe, uma opção com a qual eu concordo. Precisamos conviver com eles. Não precisamos ser amigos, mas tampouco temos que ser inimigos. Só precisamos conviver."
Mas não foi essa a opinião de seu pai, Gamal Abdel Nasser. "O filme passa a mensagem de que as pessoas devem acordar e compreender Israel. É um problema muito difícil de resolver, e a única maneira de resolvê-lo é pela força. Aquilo que foi tirado pela força deve ser restaurado pela força."


Tradução de Clara Allain

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