São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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EUA

Para críticos, novos carrinhos reforçados revelam a crescente disparidade entre as pessoas que têm e as que não têm filhos

Carrinhos de bebê causam drama nos EUA

10.set.2004 - "The New York Times
"Em foto de publicidade, casal passeia com carrinho de bebê ergonômico considerado "de luxo"


STEPHANIE ROSENBLOOM
DO "NEW YORK TIMES"

Em uma noite recente, em um metrô de Washington, José Rivas se viu encurralado por um carrinho de bebê gigante e sem rota de fuga. "Ela nos viu", conta Rivas sobre a mulher que empurrava o carrinho. "Ela olhou para nós. A atitude dela basicamente era de que nós é deveríamos encontrar uma maneira de escapar. A responsabilidade não era dela".
Quando ele tentou contorná-la e chegar à porta, ela olhou feio. O confronto era como uma batalha, conta Rivas, e a arma era um longo carrinho de bebê verde-oliva.
Christopher Peruzzi, 39, de Freehold, Nova Jersey, também já teve de escapar a carrinhos de bebê especialmente os de "largura dupla ou comprimento triplo", usualmente em lojas, e ele tampouco gosta da situação. "Eles bloqueiam os produtos que você deseja apanhar", disse. "Isso me irrita especialmente na Barnes & Noble e na Walden Books. Estou lá para ler. Não para que seu bebê esbarre em mim."
Carrinhos de bebê caros e espaçosos como o Bugaboo e o Silver Cross, apelidados de "Hummers", vêm sendo criticados como símbolo de extravagância yuppie -custam mais de US$ 700 (cerca de R$ 1.600). Mas alguns críticos dizem, agora, que o tamanho não é o único problema. O pior, afirmam, é a maneira pela qual certos pais e mães os empregam para abrir caminho em lugares públicos.
"Comparo a situação à experiência de dirigir em meio a utilitários esportivos", diz Elizabeth Khalil, 28, advogada em Washington. "A missão deles passa a ser esmagar quase tudo que encontram em seu caminho, simplesmente porque o tamanho permite".

Superiores
Os críticos, muitos dos quais pessoas sem filhos, raramente mencionam a questão diante de amigos que tenham crianças. Mas expressam suas queixas em conversas uns com os outros e em salas de bate-papo na Internet.
E muitos começam a suspeitar que os novos carrinhos de bebê reforçados são a mais recente fissura na crescente disparidade entre as pessoas que têm e as que não têm filhos, um desacordo que em geral passa sem ser comentado quanto a quem fez a escolha certa na vida.
"Essas mulheres que têm filhos, é como se dissessem que todo mundo deveria olhar para elas", diz Ophira Eisenberg, 33, comediante do West Village, em Nova York, que se refere aos carrinhos de bebê gigantes como cortadores de grama.

Carrinhos de bebê caros e espaçosos vêm sendo criticados como símbolo de extravagância yuppie. Mas o tamanho não é o único problema. O pior é a maneira pela qual certos pais e mães os empregam para abrir caminho em lugares públicos

"É como se aquele bebê fosse mais importante que tudo, e todos devessem se curvar diante delas porque elas criaram uma vida."
Os pais que usam carrinhos extragrandes desconsideram a idéia de que lhes falta consideração ou de que se vejam como superiores. "Na verdade, eu presto atenção especial ao carrinho em lugares públicos, para não esbarrar em ninguém", diz Chris Ford, que tem um Bugaboo Frog, em Las Vegas. "Um carrinho de bebê é algo que pais usam o tempo todo. É como óculos. Você sempre os usa. Não quer economizar nisso."
Ford, que oferece suas idéias sobre a criação moderna de filhos no site ModernDayDad.com, disse que ter um Bugaboo significa que ele nunca precisa se preocupar com a capacidade do carrinho para enfrentar determinados terrenos e eles são bonitos.
"Gosto das cores sólidas. Não é aquele xadrez feio,ou patos, coelhinhos", diz. "Adoro o design industrial. Gosto de que seja feito de metal, de que seja forte assim."
"Se as pessoas se queixam", diz, "o problema delas é bem maior que o meu carrinho".
Traci Anderson, 36, de Groton, Connecticut, que é casada mas decidiu não ter filhos, concorda em que a questão vai além do gosto. Muitas vezes, quando tenta passar por alguém que está conduzindo um carrinho de bebê grande, ela percebe que o pai reconhece sua presença, mas não se esforça por tirar o carrinho do caminho. E isso, diz, motiva a questão: será que eles acreditam que as pessoas que têm filhos merecem direitos especiais sobre o espaço das calçadas?
"Minhas escolhas e o que é importante para mim não deveriam importar menos, no esquema geral das coisas", diz Anderson.

Vendas
Mais e mais carrinhos de bebê, grandes e pequenos, invadem o mundo dos pedestres. As vendas nos Estados Unidos atingiram os US$ 530 milhões no ano passado, e o mercado deve continuar a crescer, de acordo com a Associação de Fabricantes de Produtos Juvenis. As vendas do Bugaboo, por exemplo, triplicaram entre 2003 e 2004.
Da metade dos anos 60 até alguns anos atrás, a maior parte dos carrinhos eram leves, com estrutura semelhante à de um guarda-chuva, excluído o Baby Jogger, que chegou ao mercado na metade dos anos 80. A febre dos carrinhos reforçados começou alguns anos atrás, depois que um Bugaboo Frog apareceu na série "Sex and the City".
O modelo veio a adquirir status semelhante ao de uma bolsa Hermès Birkin. Neste mês, a Bugaboo lançou dois novos modelos de carrinhos, o Gecko (US$ 679) e o Cameleon (US$ 879), projetados para funcionar em calçadas desniveladas, na areia das praias, em terreno acidentado e em bosques.
Há vantagens que vão além da facilidade de manobra, do status e da aparência elegante. Ali Wing, mãe de um menino de dois anos e fundadora e presidente da Giggle, uma loja de materiais para bebês, disse que as rodas nos carrinhos reforçados duram mais do que as dos modelos pequenos, e muitos pais gostam da maneira pela qual diversos modelos permitem que o bebê fique em posição que o deixe olhar quem está empurrando o carrinho.
Wing disse também que os carrinhos leves não são tão aconchegantes ou protetores. E quanto menor o bebê, maior a ênfase dos pais no conforto e na segurança.
Em julho, um Mountain Buggy Urban Double Stroller, de mais de US$ 600, ajudou a proteger um bebê de sete meses do colapso de um edifício, em Manhattan, o que gerou uma série de mensagens em salas de bate-papo maternas sobre o potencial valor dos carrinhos de bebê reforçados.
Mas o tamanho não é garantia da segurança de um carrinho, disse Marla Fecher, professora-adjunta na Escola Kennedy de Administração Pública, na Universidade Harvard, e co-autora de "It's No Accident: How Corporations Sell Dangerous Baby Products" (não é acidente: como grandes empresas vendem produtos inseguros para bebês).
"Não existem padrões de segurança compulsórios para carrinhos de bebê", disse. "Não há como um pai saber se um carrinho é mais forte do que outro."
"O que eles sabem", afirma Felcher, que diz não ter filhos por escolha e se admitiu irritada pelos carrinhos de bebê extragrandes, "é que podem gastar US$ 700 naquilo, como pais". Não ter filhos "não quer dizer que eu odeie crianças", afirmou. "Mas odeio os pais que de alguma forma decidiram que são superiores a todo mundo porque têm filhos".

Tabu
Talvez ajudasse, disseram Felcher e outros, se os pais e as pessoas sem filhos pudessem conversar sobre os sentimentos mutuamente despertados. "É o último tabu em nossa cultura", afirma. "Simplesmente não se pode falar a respeito".
Anderson concorda. "Temos certo medo de expressar nossa opinião e de sermos rotulados como pessoas que odeiam crianças ou não apóiam as mulheres."
Os dramas envolvendo carrinhos se desenrolam todos os dias, nas calçadas, nos supermercados, nos museus. Em um parque temático da Disney, escreveu o participante de um fórum, "fui atingido com tanto força nos pés que cheguei a sangrar". O autor da mensagem, que usava o apelido Tigertail777, descreveu o carrinho de bebê atacante como "uma caminhonete de plástico moldado". Mais tarde, no mesmo dia, de acordo com o relato, Tigertail777 levou outro cutucão de carrinho de bebê nas canelas, perto da mansão mal assombrada.
Mas na mesma sala de chat, MiceChat.com, diversos pais diziam que tratavam os demais com consideração em parques temáticos. "Já esbarrei em gente que subitamente muda de direção ou pára diante de mim sem motivo aparente", escreveu um pai que usa o nome DznyVan, "mas sempre peço desculpas mesmo que a culpa seja deles".
Todd Levin, escritor e comediante, disse que assistiu a um encontro especialmente ilustrativo entre um carrinho reforçado e uma transeunte no aeroporto Kennedy, em Nova York, dois anos atrás. Uma mãe atingiu uma mulher acidentalmente com um carrinho que, nas palavras de Levin, 34, "parecia uma picape".
"Será que você podia não me atropelar com seu carrinho?", pediu a mulher, de acordo com o relato que Levin escreveu em seu site, Tremble.com. "Tem um gato na minha bolsa".
"Desculpe-me", disse a mãe. "Se eu soubesse que você tinha um gato na bolsa, não teria esbarrado em você". E aí ela se voltou para os demais passageiros e arregalou os olhos, demonstrando irritação.
As duas discutiram, mas Levin concluiu que o problema era menos a colisão do que determinar quem fez a melhor escolha de vida, a mãe ou a dona do gato. "A mãe biológica era muito, muito pior, pelo menos na minha opinião, nem que fosse por seu senso de superioridade", escreveu Levin. "Cada ataque que ela fazia à mulher do gato aparentava ser uma asserção velada de que ter bebês nos torna pessoas melhores. Ter bebês equivale a vencer".
Levin está longe de ser o único autor que escreve sobre a guerra dos carrinhos de bebê, na Internet.
"Congestionando os caminhos dos consumidores em toda parte, essas monstruosidades plásticas contêm pilhas de sacolas de compras, bolsas, pacotes, sandálias extras, filtro solar, fraldas e bebê nenhum", escreveu Nathan Alexander, de Los Angeles, em seu site, Commercialsihate.com.
"O Baby Bulldozer é um incômodo total. Não há como contorná-lo, passar por cima ou por dentro dele, e o pai que o empurra inevitavelmente atropela seus pés com o carrinho".
Alexander disse à namorada que "se eu tiver um bebê, pretendo carregá-lo na mochila".
"Meus pais", diz Rivas, que passou pelo duelo com o carrinho no metrô de Washington, "nos fariam andar".
Mas e se os papéis fossem revertidos? E se Rivas fosse o pai com o carrinho, voltando para casa na hora do rush em uma noite tórrida de verão? Ele riu e reconheceu: "Minha opinião talvez mudasse se eu tivesse filhos".

Tradução de Paulo Migliacci

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