São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005 |
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ARTIGO Irã terá de trabalhar para reconstruir confiança
PHILIPPE DOUSTE-BLAZY
Em agosto, o Irã decidiu desafiar a comunidade internacional e reiniciar a conversão de urânio na usina de Isfahan, medida unilateral que interrompeu nossas conversações. O Irã alega que está exercendo seu direito de fazer uso pacífico da tecnologia nuclear, previsto no NPT, e quer apresentar essa questão como uma disputa entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento. Esses argumentos não se sustentam. Ninguém está tentando impedir o Irã de gerar energia pelo processo nuclear. Não questionamos os direitos do Irã, nem de qualquer outro país, dentro do NPT. É por isso que, em agosto, oferecemos ao Irã nosso apoio a seu programa nuclear civil, dentro de um acordo de longo prazo. Mas o NPT também traz deveres claros, e há receio de que as ambições nucleares do Irã possam não ser apenas pacíficas. O Irã ocultou por quase duas décadas atividades relacionadas ao enriquecimento e reprocessamento que, se bem-sucedidas, possibilitariam produzir material físsil para uma arma nuclear. Só em 2002, quando veio à tona a extensão de suas atividades, é que as admitiu, sob pressão da AIEA. Inicialmente o Irã negou ter enriquecido material nuclear, mas foi constatado que o havia feito, usando dois processos distintos. O Irã também afirmou não ter recebido ajuda externa para seu programa de enriquecimento com centrífuga. Mas descobriu-se que o país cooperou com a mesma rede que ajudou a Líbia e a Coréia do Norte a desenvolver programas clandestinos nucleares. Não existe lógica econômica que justifique as instalações em Isfahan e Natanz se, como alega o Irã, elas funcionarem exclusivamente para produzir combustível para reatores nucleares. O Irã não possui usina elétrica nuclear na qual pudesse ser utilizado o combustível que o país alega querer produzir. O país possui apenas uma usina que está sob construção, para a qual a Rússia já assinou contrato para fornecer combustível durante dez anos e já ofereceu fornecer combustível por toda a vida do reator, que só pode funcionar em segurança com o combustível russo. O Irã não tem licença para produzir combustível. Oferecemo-nos para cooperar para que o país tenha a garantia no caso de problemas de fornecimento. Trinta e um países do mundo têm reatores de energia nuclear, a grande maioria sem desenvolver uma indústria do ciclo do combustível. Isso prova que essa capacidade não é crucial para a existência de um setor nuclear civil. Temos levado as conversações no espírito da boa-fé. Mas, além de quebrar o Acordo de Paris, o Irã rejeitou, sem consideração séria, propostas para um acordo de longo prazo que apresentamos em agosto. Essas propostas continham as idéias de mais longo alcance para as relações entre Irã e Europa desde a Revolução de 1979 e criariam bases para uma nova relação de cooperação. Na sede da ONU em Nova York, na semana passada, reafirmamos publicamente e reservadamente nossa disposição de cooperar com o Irã nas áreas política, econômica, científica e tecnológica e nossa disposição de buscar meios para seguir adiante com as negociações. Nós nos demos a muito trabalho para evitar comentários públicos que pudessem aumentar as tensões. Entretanto, no discurso que proferiu perante a Assembléia Geral, o presidente Ahmedinejad não manifestou nenhum sinal de flexibilidade, falando de um "apartheid nuclear" e insistindo que o Irã vai exercer seu direito de desenvolver a tecnologia do ciclo de combustível nuclear, independentemente das preocupações da comunidade internacional. As atenções se voltam agora para o Conselho de Diretores da AIEA. O relatório mais recente de Mohammed El-Baradei conclui que, "após dois anos e meio de inspeções e investigações intensas, a transparência completa do Irã é indispensável e já deveria ter acontecido". Se o Irã seguir adiante em seu caminho atual, os riscos de proliferação são muito grandes. Esperamos que todos os membros da comunidade internacional permaneçam unidos. Somos coletivamente responsáveis por fazer frente ao desafio. Philippe Douste-Blazy, Joschka Fischer e Jack Straw são, respectivamente, chanceleres da França, da Alemanha e do Reino Unido. Javier Solana é o alto representante para Política Externa e de Segurança Comum da União Européia Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Oriente Médio: Novo filme do Egito faz graça de conflito Próximo Texto: EUA: Carrinhos de bebê causam drama nos EUA Índice |
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