São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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ESPECIAL

IMPÉRIO

No dia 2, ocorre uma das disputas presidenciais mais acirradas dos EUA

Eleição põe em jogo poder global de Bush

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A eleição norte-americana de 2004 será uma das mais polarizadas, caras e importantes da história do país, além de um referendo sobre um dos mais polêmicos presidentes dos EUA, o republicano George W. Bush.
No próximo dia 2 de novembro, os americanos vão julgar principalmente se estão mais seguros e se pretendem dar seu aval a uma das fases mais unilaterais da política externa americana.
Em menos de quatro anos, Bush conseguiu romper alianças históricas e abalar, com a invasão do Iraque, todo o arranjo internacional do pós-Segunda Guerra, espelhado na ONU, criada em 1945.
Se reeleito, afirmam especialistas, Bush ganhará um sinal verde para aprofundar o que já é chamado de ""neo-imperialismo" americano, com fortes motivações econômicas.
Uma vitória de seu adversário, o democrata John Kerry, é tida como crucial para conter o ímpeto desse novo unilateralismo.
Do ponto de vista interno, o pleito vai decidir ainda pela continuidade ou não de uma das maiores guinadas conservadoras da história recente, cujo produto é a radical fratura ao meio entre republicanos e democratas.
Mas a clara divisão atual entre conservadores e esquerdistas ("liberais" no jargão político do país) nos EUA não tem a mesma intensidade no cerne do que foi a atual campanha: a escolha do mais apto para proteger uma nação abalada e medrosa após o 11 de Setembro.
Com sua guerra internacional ao terror e com o Iraque, Bush conseguiu atrair seu adversário democrata para um terreno em que levou vantagem ao longo de quase toda a campanha.
Erros na área econômica, o radicalismo à direita e um profundo apego à religião, que poderiam afastar Bush dos eleitores de centro, acabaram compensados, segundo pesquisas, pela ""sensação de segurança" que os americanos têm com o seu presidente.
Pela primeira vez em 30 anos, às vésperas de uma eleição, os americanos estão mais preocupados com a sua segurança do que com os índices de desemprego no país.
Desde o 11 de Setembro, três anos se passaram sem que nenhum atentado ocorresse em solo americano. Nesse período, a agenda do país foi dominada pelas guerras no Afeganistão e no Iraque e por fortes medidas, reais ou retóricas, que visaram tornar os EUA um "lugar mais seguro".
Por trás da maior incursão dos EUA no Oriente Médio e de uma reorganização histórica de suas tropas militares no mundo, especialistas vêem também claras intenções econômicas e hegemônicas do "império americano".
A retórica antiterror estaria acelerando o objetivo inicial de assegurar reservas de petróleo no Oriente Médio e de outras matérias-primas, diante de uma concorrência crescente, principalmente de emergentes como China, Índia e, novamente, Rússia.
""A melhor maneira de entendermos o que ocorre hoje no Iraque e em outras parte do mundo é olhar pelo prisma geopolítico", afirma Michael Klare, membro do Comitê Internacional de Estudos sobre Segurança e autor de ""Rogue States" (Estados delinqüentes). ""Há uma verdadeira obsessão no governo Bush com a emergência de potenciais rivais."
O novo centro dessa competição, segundo Klare, é a chamada Eurásia central e do sul, que engloba o Oriente Médio, onde estão dois terços das reservas de petróleo do mundo. A estratégia dos EUA explicaria em boa medida o desdém atual em relação a antigos aliados em uma Europa estável, como França e Alemanha, e a procura por novos amigos em países como Polônia, Paquistão, Filipinas e Austrália (via Reino Unido).
Pesquisa de setembro mostrou que 30 de 35 países consultados preferem Kerry a Bush.
John Ikenberry, professor de geopolítica da Universidade de Georgetown, afirma que, além das ambições materiais, os motivos ideológicos aprofundaram os contornos dessa nova doutrina, resumida na filosofia dos ataques preventivos. ""Nessa visão neo-imperial, os EUA se arrogam o direito de definir valores, determinar as ameaças, usar a força e perseguir a "justiça'", diz Ikenberry.
O escopo ideológico do programa geopolítico em curso foi criado nos anos 90 pelo ""núcleo duro" que hoje comanda os EUA, tendo à frente o vice-presidente, Dick Cheney, e o vice-secretário da Defesa, Paul Wolfowitz.
Traços desse conteúdo programático aparecem em versão "amenizada", no site da Casa Branca, no documento ""Estratégia de Segurança Nacional dos EUA", de 2002.
Especialistas sustentam que um aprofundamento da nova geopolítica americana acabará legitimado caso Bush seja reeleito. No caso de uma vitória de Kerry, espera-se uma redução de intensidade, mas dificilmente uma alteração de curso da mesma política.


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