São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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Eleição não deverá pôr fim à rixa transatlântica

DA REDAÇÃO

Mesmo que o democrata John Kerry, mais conciliador, vença o republicano George W. Bush em 2 de novembro, ao menos três temas continuarão a opor os EUA à Europa, mantendo pressão sobre os laços transatlânticos: o Iraque, o Irã e o conflito israelo-palestino.
A invasão do Iraque, ordenada por Bush, provocou o que analistas chamam de "o maior desentendimento entre europeus e americanos desde a Segunda Guerra [1939-45]" e deixou cicatrizes ainda claras nas relações entre os europeus que a ela se opuseram, como a França, e os que a apoiaram, como o Reino Unido.
Obviamente, a situação não se agravará. Ambas as partes buscam aparar as arestas provocadas pela rixa diplomática que precedeu a guerra. Contudo a deterioração da situação de segurança no Iraque contrasta com a intenção de Kerry de "atrair aliados" para o esforço de reconstrução do país.
Afinal, seria difícil para os opositores à guerra, como Jacques Chirac, presidente francês, ou Gerhard Schröder, chanceler (premiê) alemão, convencer os eleitores de que, com a troca de governo nos EUA, seus países passariam a apoiar Washington.
Vale lembrar que Kerry insiste no fato de que os EUA arcam com "90% das baixas e com 90% dos custos" no Iraque. Ora, é ilusório imaginar que os franceses ou os alemães venham a concordar em dividir as baixas humanas ou o peso financeiro da reconstrução sem real poder no processo de tomada de decisões, embora, é verdade, ninguém tenha interesse num agravamento da crise atual.
Quanto ao Irã, a situação não é mais cômoda. Washington tem certeza de que Teerã, cuja posição é oscilante, busca dotar-se de armas nucleares. Recentemente, todavia, aceitou apoiar uma iniciativa européia (Paris, Berlim e Londres) de tentar obter garantias de segurança do governo iraniano.
Como, por ora, o resultado é decepcionante, o governo dos EUA quer acionar o Conselho de Segurança da ONU, que poderia aplicar sanções ao Irã. Kerry tem mostrado grande preocupação com o tema. Porém os europeus ainda crêem no diálogo, e a questão é um potencial ponto de desacordo entre os EUA e a Europa.
Finalmente, os europeus, sobretudo os franceses e os alemães, acreditam que Washington tenha uma atitude demasiadamente pró-Israel no Oriente Médio. O governo americano, por sua vez, está desapontado com a inação européia no que se refere ao problema. Por razões políticas internas, Kerry não deverá mudar a posição dos EUA, o que tende a exacerbar a rixa transatlântica.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)

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