São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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"Coisas estão melhorando"

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

MARVIN OLASKY, QUE INSPIROU a política social de Bush, tem história peculiar. Neto de imigrantes lituanos e ucranianos, nascido numa família judia, tornou-se ateu aos 14, quando virou marxista. Aos 26, tornou-se cristão e, oito anos depois, conservador. Doutor em cultura americana, editor da revista cristã "World" e professor da Universidade do Texas, Olasky é autor de 13 livros, incluindo "Conservadorismo com Compaixão".

O volume inspirou Bush a adotar a prática em seu governo, criando o Escritório de Iniciativas Comunitárias e Baseadas na Fé tão logo tomou posse.
Os conservadores compassivos defendem que o Estado repasse fundos e transfira sua responsabilidade no que se refere à assistência social para instituições religiosas, que podem prestar uma assistência mais completa. "Nós temos alma", diz Olasky. "Instituições religiosas também lidam com os problemas espirituais."
A idéia caiu como uma luva para o gabinete neoconservador de Bush, que tem um rígido conjunto de valores morais e para o qual o Estado deve ser desonerado do bem-estar social. Críticos, no entanto, temem que a transferência exclua do sistema gente que adota um comportamento reprovado pela instituição religiosa, ou que exija dos assistidos a conversão.
O professor desmente a segunda crítica, mas confirma a primeira. "Gente que está se matando de beber ou de usar drogas não deve receber ajuda do Estado", diz. Ele também não vê problemas em Estado e religião se misturarem, ainda que a Constituição dos EUA os separe.
Olasky falou com a Folha por e-mail. Eis a entrevista.

Folha - O sr. se diz um "imigrante político e religioso". Como assim?
Marvin Olasky -
Fui criado como judeu, tornei-me ateu e marxista na adolescência e cristão há 28 anos, pela graça de Deus. É uma longa história, mas a coisa mais importante é que li a Bíblia e acreditei que aquilo era verdade. Essa crença religiosa me levou a dar mais ênfase ao que a Igreja e a família podem fazer do que ao que um governo, às vezes ateu, pode fazer.

Folha - Como surgiu o conceito de conservadorismo com compaixão?
Olasky -
Da leitura da Bíblia e de ver como Deus quer que ajudemos os pobres de um modo que realmente os ajude, e não apenas para fazer os ricos se sentirem melhores. A Bíblia destaca a compaixão: o significado literal é "sofrer com" outra pessoa.
A ajuda compassiva é de pessoa para pessoa, não se resume em aprovar uma lei ou enviar um cheque. Os conservadores compassivos se envolvem pessoalmente ao ajudar os pobres, fazendo de tudo, de ensinar um semi-analfabeto ou praticar esportes com um órfão a ensinar um ex-preso ou adotar uma criança difícil de ser aceita.

Folha - De que maneira as instituições religiosas podem ser melhores provedoras de assistência social do que o Estado?
Olasky -
Nós não somos apenas organismos, também temos alma. A ajuda estatal abrange apenas problemas materiais, mas as instituições religiosas também lidam com os problemas espirituais.

Folha - Transferir a responsabilidade da assistência social para as instituições religiosas não restringe o acesso para quem adota um comportamento questionável ante a Igreja?
Olasky -
Gente que está se matando de beber ou de usar drogas não deve receber ajuda do Estado. Não tem nada de compaixão em ajudá-los a praticar um comportamento suicida. Qualquer pessoa que deseje trabalhar, seja qual for sua crença, deve receber ajuda, e é isso que está acontecendo.

Folha - O sr. é um conselheiro próximo do presidente Bush. Como avalia a prática do conservadorismo com compaixão no país durante os últimos quatro anos? Quais os resultados?
Olasky -
É uma melhora lenta. Tudo leva tempo, e a ênfase, desde [os ataques de] 11 de setembro de 2001 tem sido, como deveria ser, a guerra contra os terroristas. Mas as coisas estão melhorando.

Folha - Houve mudança real na assistência social praticada pelo Estado?
Olasky -
Sim, mais gente recebeu ajuda para conseguir emprego, e menos gente que não quer trabalhar recebeu apoio do governo.

Folha - O que podemos esperar para os próximos quatro anos, se Bush for reeleito?
Olasky -
Mais oportunidades para que as pessoas pobres saiam da pobreza e passem a fazer parte da classe média.

Folha - Em artigo recente, o sr. criticou algumas posições do candidato democrata, John Kerry, e o fato de ele elogiar outras religiões, questionando se ele é realmente católico, como diz. A seu ver, qual a importância da crença de um presidente -ou de quão estritamente ele segue sua religião- para suas decisões políticas?
Olasky -
Não há nada errado em elogiar as coisas boas de outras religiões, mas o ensinamento católico se opõe ao homossexualismo e ao aborto. Um presidente que segue os ensinamentos católicos pode fazer muitas coisas boas, e eu fico triste com o fato de Kerry não segui-los.

Folha - Religião e Estado são instituições separadas, segundo a Constituição americana. Como o sr. acha que elas devem se relacionar?
Olasky -
A Constituição dos EUA determina que o Congresso não "estabeleça" uma religião. Isso significa dar preferência a uma religião particular e exigir que as pessoas paguem impostos para apoiá-la.
Isso é errado. A Constituição americana também determina que as pessoas têm direito ao livre exercício de sua religião. Isso significa que um professor ou um assistente social cristão não deve ter que fingir que é ateu. Eu concordo com isso.

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