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Cruz Vermelha recolhe os mortos
ÁNGELES ESPINOSA
DO "EL PAÍS", EM QALA-I-GULAI
Ayab Gul e Saíd Rahim colocam
luvas de borracha e máscara. Com
determinação, desenrolam um
saco branco de plástico e colocam
um cadáver dentro dele. O corpo
se parte. Sem perder a compostura, recolocam a parte superior e,
com um gesto que já repetiram
muitas vezes, amarram os dois
extremos da modesta mortalha.
Acaba a batalha e ficam os cadáveres. Os mortos do grupo perdedor não têm nome. Abandonados
por seus companheiros que fugiram para se salvar, os corpos de
muitos combatentes do Taleban
jazem esparramados nas trincheiras. Os voluntários da Cruz Vermelha contam que os mais desesperados, ou os mais serenos, dos
combatentes estrangeiros pró-Taleban "chegaram a se suicidar
com granadas quando acabaram
as balas".
A Cruz Vermelha anunciou que
havia descoberto entre 400 e 600
cadáveres em Mazar-e-Sharif, havia enterrado 300 e que desconhecia se eles haviam morrido nos
combates ou se haviam sido executados. Nos arredores de Cabul,
Gul e Rahim já recolheram 50. O
"El País" acompanhou sua equipe
até Qala-i-Gulai, 55 km ao norte
da capital.
Hakimi, um ex-guerrilheiro, fotografa os mortos pensando numa eventual tentativa de identificação futura.
O mau cheiro impregna a roupa, e alguns milicianos que há
apenas alguns dias lutavam nessa
mesma trincheira permanecem a
uma distância prudente, com expressão meio de repulsa, meio de
agradecimento. É uma tarefa que
requer muito mais coragem do
que colocar um fuzil Kalashnikov
no ombro. Minas e munição que
não explodiram são uma ameaça
constante. A única proteção de
Gul e Rahim são seus jalecos com
o símbolo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha: uma grande cruz vermelha no peito. "Cada
vez é mais difícil encontrar pessoas que queiram fazer isso, porque é muito desagradável e arriscado", diz Wasit, o sanitarista que
dirige a equipe.
Cachorros
Qala-i-Gulai é um povoado
pashtu e pró-Taleban até a medula. "Há quatro anos, quando o Taleban expulsou a Aliança do Norte daqui, fizemos o mesmo trabalho e, durante todo esse tempo,
também ajudamos no intercâmbio de corpos entre um lado e o
outro", diz Wasit. "O nosso trabalho fazemos para todos. Atendemos a mais de 80.000 pessoas, entre mortos e feridos, nos 11 anos
que trabalho com o comitê."
"As pessoas nos ajudam muito", reconhece Hakimi. "Hoje foi
fácil, ontem foi pior", adverte Wasit. "Os corpos estavam comidos
por cachorros e tivemos que retirar as tripas."
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