São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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Grupos de moradores criam restaurantes populares

DE BUENOS AIRES

"Deixamos de ser a cidade dos cafés para ser a cidade dos "cartoneros" e dos "comedores'", diz Martha Juarez, 56, criadora de um restaurante popular e dirigente da assembléia dos moradores do bairro de San Telmo, na região central de Buenos Aires.
Os "comedores" são restaurantes populares, onde se come pagando muito pouco ou de graça. Os "cartoneros" são desempregados que, nos últimos anos, começaram a percorrer as ruas da cidade durante toda a noite recolhendo papel e papelão.
Não existem estimativas oficiais, mas os "comedores" multiplicaram-se na Argentina. Com mais da metade da população desempregada ou subempregada, a procura pelos restaurantes explodiu. O governo abriu restaurantes populares. Há escolas que atendem à população. Organizações não-governamentais dirigem centenas de centros de alimentação. Só a Caritas Argentina tem cerca de 5.000 que alimentam, atualmente, mais de 600 mil pessoas -eram 300 mil há dois anos.
Em alguns casos, como o de Martha, os próprios moradores de uma região criam restaurantes. Na assembléia dirigida por Martha há um cadastro de desempregados e reuniões semanais para encontrar algum tipo de trabalho para as pessoas que recorrem ao restaurante. Há comida durante o dia para cerca de cem pessoas, e, durante a noite, para 35 "cartoneros" que recolhem papel no bairro. "Pedimos ao governo para criar um restaurante no bairro. Mas parece que há áreas mais prioritárias, com casos mais sérios. Então fizemos nós mesmos", diz Martha.

"Cartoneros"
Segundo o Indec (o órgão oficial de estatística), há 155 mil "cartoneros" na Argentina. Apenas em Buenos Aires, cerca de 40 mil pessoas trabalham durante a noite recolhendo papel.
Francisco Rodríguez, 28, percorre todos os dias cerca de 15 km em busca de papel. Diz conseguir ganhar dez pesos por noite (cerca de R$ 10). Rodríguez estudou dez anos e lê os jornais argentinos -que recolhe nas ruas- todas as manhãs. Sabe um pouco de história do Brasil e de economia, diz esperar que o Mercosul resolva parte dos problemas econômicos argentinos e quer saber sobre o programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva porque, "talvez no Brasil, com a liberação da imigração, haja empregos melhores do que o de "cartonero'".
Ele recolhe papéis na região central de Buenos Aires. Gasta dois pesos para pagar pelo transporte do papel e outros 10,5 pesos mensais para poder tomar, todos os dias, o "trem dos "cartoneros'", composições que saem todas as manhãs e que transportam os "cartoneros" e seus carrinhos de papelão para as regiões periféricas da Grande Buenos Aires, onde a maioria vive.

Economia do papel
O governo da cidade de Buenos Aires estima que a economia dos "cartoneros" movimente cerca de 150 milhões de pesos anuais. Dinheiro que vai para o bolso dos próprios "cartoneros", de alguns pequenos restaurantes populares que vendem comida barata durante toda a madrugada e da centena de mulheres que vendem café e chá-mate aos "cartoneros".
"Eles são a personificação da crise argentina. Um exército que deveria estar trabalhando formalmente ou estudando", afirma Victor Abramovich, diretor-executivo do Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais).


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