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ENTREVISTA
CHRISTOPHER
HITCHENS
Mesmo que à força, devemos derrubar as teocracias
Inglês radicado nos EUA explica livro em que aponta caráter totalitarista das igrejas e pede um "novo Iluminismo"
PARA O JORNALISTA Christopher Hitchens,
que está lançando no Brasil seu "Deus Não
É Grande - como a religião envenena tudo"
(Ediouro), "nosso dever é lutar pela secularização" das sociedades, mesmo que para isso seja necessário invadir Estados teocráticos como o Irã ou
derrubar ditaduras como a de Saddam Hussein.
O inglês radicado nos EUA, defensor da intervenção
militar de Washington no exterior, vê nas religiões,
principalmente nos monoteísmos, sistemas de geração e perpetuação de autoritarismo. "Freud estava
certo", diz, a esperança de um porvir melhor e o medo
tornam as crenças intrínsecas ao ser humano.
FÁBIO CHIOSSI
ENVIADO A PORTO ALEGRE
A Folha conversou com Hitchens em Porto Alegre, aonde
veio recentemente para "vender seu livro" e fez uma palestra a convite da Copesul, no seminário Fronteiras do Pensamento.
Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Uma das principais teses
de seu livro é que nossa razão nos
municia do necessário para criar um
sistema ético, assim não precisamos
de uma ética transcendental. É isso?
CHRISTOPHER HITCHENS - Sim.
Nossa razão e nossa solidariedade. Nós não poderíamos ter
evoluído sem isso.
FOLHA - Isso vem da evolução?
HITCHENS - Sim. É consistente
com o que nós sabemos ser a
explicação de nossa existência,
nossa sobrevivência. Evolução
por meio da seleção natural.
Nós "encontramos" os comportamentos que nos ajudariam a sobreviver e "descartamos" os que não nos ajudariam.
FOLHA - E pode-se deduzir que nós
não precisamos de religião, já que
não precisamos de uma ética transcendental?
HITCHENS - Eu diria que isso é
verdade, mas esse argumento
parte do pressuposto de que a
religião também é moral. E eu
acho que a religião não é moral.
FOLHA - Não?
HITCHENS - Não. As religiões
nos ensinam a acreditar em
coisas que não são morais.
Exemplos: o sacrifício humano
pode levar à salvação; a mutilação de genitais; a morte num
assassinato suicida me levará
ao paraíso.
FOLHA - Nesse caso, por que tantas
pessoas parecem precisar da religião
para se basear em alguma ética?
HITCHENS - Bem, primeiro, sendo verdade que as pessoas o fazem, devo dizer que também é
verdade que muitas pessoas
não o fazem.
Segundo, não podemos explicar facilmente porque as pessoas querem acreditar: existe o
medo, particularmente da
morte, do desconhecido. Ele é
inato, está em nós, e ninguém é
completamente livre disso.
E existe um outro motivo,
que é o egocentrismo; o desejo
de acreditar que o universo foi
criado com o "eu" em mente. A
religião responde de forma brilhante ao nosso sentido de auto-importância.
Mas digamos também que a
religião faz as pessoas acreditarem que existe algo maior que
elas, algo "lá fora", algo transcendente. Faz as pessoas sentirem que existe alguma harmonia e alguma beleza no universo
-é verdade, também para a
música e a poesia. Mas é verdade que essas coisas podem ser
concretizadas em uma experiência sem o sobrenatural. Eu
não sou imune à música, à poesia ou a belezas naturais.
FOLHA - Quando essa necessidade
de acreditar no sobrenatural se torna então perigosa e começa a "envenenar tudo"?
HITCHENS - Imediatamente.
Porque todas as ilusões que
consideram seu formulador o
objeto do "design", do destino,
são potencialmente perigosas,
pois sugerem que você, então, é
capaz de ditar aos outros; você
tem informação privilegiada. E
não demora muito para que você comece a dizer: "Bom, não só
eu vou cortar a pele do meu pênis [referência à circuncisão],
mas você também deve fazer o
mesmo, caso contrário vai para
o inferno". Imediatamente temos uma mentalidade totalitarista. Todos têm de acreditar ou
pagar por isso.
Vem da idéia de que você tem
de ser amado por uma autoridade da qual você também tem
medo, uma autoridade que você não pode mudar -pode chamá-la de Pai, se quiser. Você
tem de amá-la e temê-la ao
mesmo tempo. Amor compulsório? E medo compulsório? É
como a adoração de Kim Jong-il, ou Stálin, ou os nazistas.
E é muito pouco saudável, eu
acho. Além disso, são um medo
e um amor compulsório que o
perseguirão depois da sua morte. Ele também sabe o que você
está pensando, conhece os pensamentos e crimes. Isso é
"1984" [de George Orwell].
Eu acho que temos que nos
emancipar disso.
FOLHA - Mas "1984" não é também a paródia de um projeto supostamente racional para a organização social que acaba desenvolvendo
um dogmatismo?
HITCHENS - Sim, a idéia da organização perfeita, que não tem
espaço para erros. Aí nós temos
o paraíso na terra: não há mais
perguntas. Nenhuma preocupação, nenhuma ansiedade ou
contradição. Em outras palavras, uma situação em que a vida humana seria completamente sem sentido.
E eu não entendi isso perfeitamente até que fui para a Coréia do Norte. Então eu vi que a
vida humana poderia se tornar
completamente sem sentido.
FOLHA - Quando você esteve lá?
HITCHENS - Em 2000. Eu estive
em todos os três países ditos do
"eixo do mal" [Irã, Síria e Coréia do Norte]. A Coréia do
Norte é o mais perfeito sistema
totalitário e, claro, é totalmente
baseado na adoração -do pai e
do filho. Eles quase têm uma
trindade. É uma sociedade
completamente religiosa, baseada no conceito do paraíso
utópico. Não há outro propósito para a vida a não ser glorificar e agradecer ao líder; é tudo
para o que se vive. E, claro, o
trabalho, de um modo infernal.
Fome, sofrimento.
FOLHA - Falando na Coréia do Norte, você acha que, com o acordo,
com os EUA e outros países, para o
fim do programa nuclear, há possibilidade de mudança no país?
HITCHENS - Não. Nossa política
não deveria ser só desarmá-los.
Nossa política deveria ser desmantelar o regime. Nós somos
obrigados pela lei internacional, parece-me, a libertar o povo da Coréia do Norte. Qualquer outra coisa é compromisso com a escravidão.
FOLHA - Foi o mesmo caso no Iraque?
HITCHENS - Sim. E o Irã também
é, a propósito. Lá [nesses dois
países] há a conexão entre a repressão interna e a agressão externa, a projeção da violência
para fora. É o mesmo com os
sistemas totalitários: porque
eles falharam, eles têm de exportar sua violência.
FOLHA - Mas os EUA também não
exportam seus supostos valores?
HITCHENS - Não com repressão
interna. O problema do Estado
totalitário é que ele exporta sua
própria falha, a repressão. A
implosão doméstica só pode
ser compensada pela exportação, de fato ou retórica, da violência. E os EUA não estão nessa posição. Ao contrário, eles
têm uma sociedade e instituições extremamente relutantes
em intervir no resto do mundo.
É uma cultura isolacionista.
FOLHA - E essa interferência deveria ser militar, se necessária?
HITCHENS - Bom, eles têm de
conter um componente militar
porque o desafio principal nesses três casos que acabamos de
mencionar vem da aquisição de
armas ilegais para que eles se
tornassem invulneráveis. Então, claro, há um ingrediente
militar no confronto, por definição. Nós paramos um deles,
estamos inibindo os outros
dois, mas não haverá um confronto neste momento.
Deveria ter sido suficiente
desarmar o Iraque, porque o
Irã só está construindo sua arma, segundo alegaram corretamente, por medo de Saddam os
atacar. Nós removemos a justificativa para o programa nuclear iraniano, mas eles o querem manter por outras razões.
É uma pena. Nós deveríamos
ter parado a coisa toda, a Coréia
do Norte também. Mas falhamos e estamos pagando.
FOLHA - E como isso vai acabar? Em
uma guerra?
HITCHENS - Claro. Eu espero
que sim. Anseio por um confronto com o totalitarismo.
Os teocratas iranianos parecem querer um confronto conosco. Se é o que querem, que
venham. E eu posso lhe dizer
quem vai perder.
E, se for feito direito, como
no Iraque e no Afeganistão, um
outro bom resultado seria a libertação das pessoas de uma
ditadura teocrática. Temos de
fazê-lo de um modo que seja
uma vitória para eles também;
não apenas derrotar as operações terroristas, mas remover o
governo e libertar o povo.
Eu procuro a guerra. Eu gosto de confronto; eu sou um
marxista, e o confronto é o motor do progresso.
FOLHA - Mas há um sentimento
antiguerra crescendo nos EUA, não?
HITCHENS - A grande maioria
dos americanos está disposta a
pegar um preço em sangue e dinheiro se eles acharem que [a
guerra] não é perda de tempo
ou que o pais é irrelevante.
Muitas pessoas entendem que
aqueles que nos querem tirar
do Iraque não são nossos amigos. Tudo o que é preciso é
mostrar-lhes que estamos fazendo progresso contra essa
gente. E, também, que nossa
palavra tem valor, que não vamos correr, não vamos traí-los,
abandoná-los.
Estamos nos desviando do
meu livro; estou aqui no Brasil
pra vender meu livro.
Mas não acho que estejamos
nos desviando totalmente, pois
esse é um confronto com os
teocratas. E é isso que estamos
fazendo também no Afeganistão e no Paquistão: estamos
forçando-os a decidir, por eles
mesmos, se querem viver numa
teocracia ou não. Porque nós
não queremos. Estamos forçando-os a pensar sobre isso. É
a maior discussão no momento.
Este é o momento exato, creio,
para um movimento das pessoas afirmando que ninguém
que se diz agindo em nome de
Deus é uma pessoa moral.
FOLHA - Você fala no livro da necessidade de um novo Iluminismo...
HITCHENS - Um tanto clichê,
não é mesmo? Foi o melhor que
eu pude fazer. Não estou muito
orgulhoso disso; eu queria poder ter escrito um fim melhor
para o livro, mas...
FOLHA - A mensagem era essa.
Mas a pergunta é, considerando que
o Iluminismo não é uma novidade, e
as religiões permanecem mesmo
após esse tempo, não é uma tarefa
difícil trazer um novo Iluminismo?
HITCHENS - Sim; por isso é um
fim muito fraco.
Eu sei muito bem que a religião é indestrutível, não só como uma instituição -bem, algumas igrejas desaparecem,
mas a igreja em si não. A necessidade das pessoa de acreditar é
-eu acho que Freud estava certo- inerradicável.
Assim, o melhor que podemos esperar é que cheguemos a
um "acordo": eu o deixo em
paz, você me deixa em paz. Foi
com o que eu comecei o livro.
Mas então eu vi que isso não
pode ser realista, eles não podem me deixar em paz. Porque,
se eles acreditam no que dizem
que acreditam, não podem
manter isso privado.
Não pode ser uma crença
particular a de que Jesus Cristo
leva à salvação. Não pode ser
um segredo que só você sabe
-Jesus me ama, e eu o amo, e
isso vai me levar à vida eterna
-quem acreditaria nisso?
E o único modo de tentar fazer alguém talvez acreditar é
dizer que todos têm de acreditar. Assim, eles não podem me
deixar em paz, e eu tenho que
me defender.
O mínimo que podemos fazer é defender o Estado secular,
a separação.
O jornalista FÁBIO CHIOSSI viajou a convite do
seminário Fronteiras do Pensamento
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