São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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Grande coalizão alemã dá sinais de desgaste

Dois anos após tomar posse em aliança com social-democratas, Angela Merkel tem que remanejar governo pela primeira vez

Já de olho nas eleições de 2009, SPD deve intensificar ataques à chanceler e ao parceiro conservador, a União Democrata Cristã

RENATE KRIEGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BONN

Após dois anos articulando reformas em comum, a grande coalizão de governo da Alemanha entrou dividida na segunda metade do mandato, que vai até setembro de 2009. Nesta semana, a saída do vice-chanceler Franz Müntefering evidenciou o desgaste entre os conservadores da União Democrata Cristã (CDU), da chanceler Angela Merkel, e o Partido Social-Democrata alemão (SPD).
Franz Müntefering, que também era ministro do Trabalho, era tido como o principal apoio social-democrata de Angela Merkel no governo. Sua saída, por razões pessoais (sua mulher tem câncer), é a primeira alteração ministerial da gestão da chanceler, empossada em novembro de 2005.

Juras e intenções
O posto de ministro do Trabalho será ocupado por Olaf Scholz. Frank-Walter Steinmeier, ministro das Relações Exteriores, passará a ser o rosto social-democrata ao lado de Merkel. "Vou trabalhar por uma imagem mais unida da grande coalizão. Não podemos disputar eleições pelos próximos dois anos", afirmou o novo número dois do governo alemão, na quarta-feira.
No dia seguinte, Angela Merkel conversou com Steinmeier sobre suas novas funções. "União significa puxar a corda do mesmo lado, na mesma direção", disse a uma TV alemã.
A aparente harmonia, no entanto, não esconde que o casamento entre SPD e CDU não vai bem. No início deste ano, durante a presidência alemã da União Européia, Merkel e Steinmeier demonstraram união no plano internacional. Atualmente as relações estão abaladas -especialmente por causa da recente visita do Dalai Lama à Alemanha.
"Não se sabe como eles vão articular o governo internamente", avalia o professor Tilman Mayer, do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Bonn. "As últimas críticas de Steinmeier a Merkel, há duas semanas, causaram tensão entre ambos. Steinmeier acha que Merkel errou ao receber o líder espiritual", explicou à Folha.
A China vê o dalai lama como símbolo do separatismo tibetano e cancelou duas reuniões internacionais na Alemanha em razão da visita.

Fim de jogo?
No primeiro tempo do mandato, a grande coalizão diz ter conseguido um balanço positivo: implementou reformas como a do sistema de saúde, aumentou a idade da aposentadoria para 67 anos a fim de enxugar as contas do Estado e diminuiu o desemprego, que em outubro registrou seu menor nível em 12 anos.
No fim do mês, a taxa de desemprego da Alemanha era de 8,2%, ou 3,4 milhões de desempregados. Em 2005, o país tinha 5 milhões.
Agora, o governo alemão busca união para implementar as reformas que ainda faltam. Mas enquanto a CDU pressiona pela continuidade das reformas, o SPD, parceiro minoritário na coalizão, luta por coesão interna. Após a saída de Müntefering, na quarta-feira, uma pesquisa do instituto Forsa deu 24% de intenções de voto aos social-democratas -o nível mais baixo em anos.
O SPD vem sofrendo principalmente com a ascensão do partido radical de esquerda Die Linke, criado em junho. Com propostas de justiça social e distribuição da riqueza acumulada durante as reformas, a Linke vem se fortalecendo especialmente nos Estados da antiga Alemanha Oriental.
A última pesquisa deu 12% de intenções de voto ao partido, que já é o terceiro mais forte da Alemanha.

Eleições regionais
As divergências da "coalizão rubro-negra", como é conhecida, mostram que os partidos já se deixam levar pela tentação de se articular para as eleições regionais, em 2008. Com críticas mais veementes à chanceler Angela Merkel, o partido social-democrata quer sacudir o trono de popularidade da líder do governo.
Para o professor Tilman Mayer, Frank-Walter Steinmeier ganha fôlego político na cadeira de vice-chanceler. Estrategicamente, contudo, tanto os social-democratas quanto os conservadores da CDU enxergam que são mais fortes juntos. Por enquanto, não há risco de eleições antecipadas, diz Mayer.
"A coalizão ainda faz sentido. Se rachasse agora, fortaleceria a Linke, porque abalaria a imagem do governo", explica.
Dezoito anos após a reunificação, a tendência de "esquerdização" da Alemanha pode ter sido um dos motivos da saída de Franz Müntefering do governo. "Mesmo alegando razões pessoais, o momento foi oportuno" diz Mayer.
Müntefering estava enfraquecido no SPD por querer a continuidade de reformas liberais iniciadas pelo ex-chanceler social-democrata Gerhard Schröder. Há duas semanas, perdeu uma importante batalha interna, quando o partido decidiu endossar uma medida para prolongar o pagamento do seguro-desemprego a desempregados com mais de 58 anos.
Segundo analistas, a gota d'água pode ter sido o veto da CDU a uma proposta do SPD de estabelecer um piso salarial para empregados dos Correios.


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