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ANÁLISE COREIA DO NORTE
Objetivo não é matar, mas forçar o diálogo
Ataque também serve a propósitos internos de controle social e de poder em meio a uma sucessão dinástica
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os disparos da artilharia
norte-coreana podem ter matado dois soldados sul-coreanos, mas o objetivo principal
não é exatamente causar danos, humanos ou materiais,
mas chamar a atenção.
Essa é pelo menos a visão
da maioria dos analistas de
temas de defesa, com a ressalva de que é sempre muito
difícil avaliar sinais emitidos
por regimes fechados -e a
Coreia do Norte é talvez o
mais fechado de todos.
Escreve Aidan Foster-Carter, pesquisador da Leeds
University (Reino Unido), em
artigo para o "Financial Times": "A mensagem é clara:
nós podemos causar problema. Nós sabemos como fazê-lo. É melhor vocês [EUA, Coreia do Sul] acreditarem e começarem a conversar conosco mais seriamente".
Reforça Katy Oh, pesquisadora do Instituto para Análises de Defesa, especialista
nas duas Coreias:
"Os EUA e a Coreia do Sul
responderam com calma ao
ataque norte-coreano a um
barco da Coreia do Sul [em
março] e não estabeleceram
negociações com a Coreia do
Norte. Esta ficou frustrada
com o fato de que sua provocação não levou a nenhuma
mudança dramática na posição americana e sul-coreana,
na linha "vamos conversar".
Daí o recurso a esse jogo de
provocações inesperadas".
Os dois pesquisadores estão se referindo às "six-party
talks", lançadas em 2003 e
paralisadas seis anos depois
com escassos resultados.
Participam as duas Coreias,
EUA, China, Rússia e Japão.
Foi no âmbito dessas conversas que a Coreia do Norte
aceitou fechar suas instalações em troca de ajuda ocidental e da normalização de
relações com os EUA.
Não fechou, como ficou
evidente na semana passada, ao convocar um cientista
americano para testemunhar
a existência de moderníssima planta de enriquecimento de urânio.
É um gesto que se enquadra perfeitamente na tese do
"vamos conversar" de Katy
Oh. Seria muito mais lógico
manter em sigilo a nova instalação em vez de abri-la a
um cientista estrangeiro, ainda mais americano. Como
não fechou, tampouco houve
a contrapartida americana.
Mas o ataque à ilha parece
servir também a propósitos
internos. Katy Oh lembra que
acenar com uma ameaça externa é uma característica
permanente da política do
país, desde o armistício que
paralisou a Guerra da Coreia,
em 1953: "Ameaças externas
são ingredientes úteis e necessários para a elite leal à dinastia Kim manter o férreo
controle social e do poder".
Essa necessidade é particularmente aguda agora que
se iniciou o processo de sucessão dinástica, em que Kim
Jong-un, filho do ditador Kim
Jong-il, está se preparando
para substituir o pai.
Quais as chances dessa
conjunção de fatores levar a
uma escalada ainda maior do
conflito? Zero, responde Katy
Oh, "a menos que a Coreia do
Norte comece a usar armas
de destruição em massa e
maciças barragens de artilharia contra Seul", a capital,
não uma ilha remota.
Parece tranquilizador, a
não ser pelo fato de que a Coreia do Norte é a sociedade
mais militarizada da Terra,
com dois quintos da população de 23 milhões em serviço
ativo ou como reservistas.
Pior: a maior parte de sua artilharia pode alcançar Seul
sem grandes dificuldades.
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