São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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MULTIMÍDIA
Le Monde

de Paris
Sistema de saúde cubano vive crise

em Havana

O tema é tão delicado que o médico que aceitou nos receber em um dos maiores hospitais de Havana pediu que omitíssemos seu nome e o do estabelecimento. Mas que segredos se escondem por trás dos muros desses hospitais cubanos que justifiquem a necessidade de entrarmos neles de maneira quase clandestina, após várias tentativas de fazê-lo pela via oficial?
O segredo é a situação de penúria de um sistema que por muito tempo foi o justificado orgulho dos cubanos: ao lado da educação, a saúde pública foi a principal conquista da Revolução Cubana.
Dessa grande realização, resta uma rede de médicos de família, 281 hospitais e 442 ambulatórios e uma política de saúde que prioriza o atendimento maternal e infantil e que levou a taxa de mortalidade infantil a cair para 7,2 por mil, a mais baixa já registrada no país.
Mas a aguda crise econômica provocada pelo fim da ajuda soviética privou o país dos recursos necessários para medicamentos e a manutenção dos equipamentos médicos. Resultado: "Uma situação dramática", segundo o médico que nos recebeu e que chamaremos de "dr. Martínez".
O que falta? "Tudo", diz ele. "Desde papel para preencher as fichas dos doentes até antibióticos." No dia em que falamos com ele, a farmácia do hospital só dispunha de dois antibióticos. As infecções hospitalares de repente se tornaram comuns. Não há mais material descartável.
Outro problema é que as enfermeiras abandonaram o hospital. "Os salários estão desvalorizados. As enfermeiras preferem trabalhar no turismo, em lugar de ganhar 200 pesos (US$ 10) por mês."
O "dr. Martínez", médico especialista, ganha 400 pesos por mês, um salário que antigamente era razoável mas que, hoje, equivale a US$ 20. "É uma crise total."
Apesar disso tudo, existem medicamentos em Cuba, sim. Marietta, farmacêutica que fala conosco diante das prateleiras vazias de seu laboratório na rua 23, em Havana, não culpa o embargo americano: "Há medicamentos, sim", diz ela, com ar entendido, "mas não comigo." Os remédios podem ser comprados no mercado negro e nas farmácias, por dólares, e nos estabelecimentos do Turismo Salud, uma das indústrias lucrativas de Cuba.
"Sim", reconhece o "dr. Martínez". "Hoje em Cuba temos medicina em dois níveis: para os ricos e para os pobres."



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