São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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São Paulo é mais interessante do que Nova York

GILBERTO DIMENSTEIN

"Você está maluco?"
Tenho ouvido essa pergunta com frequência desde que informei nesta coluna, há três meses, que trocaria Nova York por São Paulo.
Apesar da ostensiva incredulidade dos meus colegas de Redação (e inclusive da minha mulher), a decisão já estava encaminhada desde que saí de Brasília em agosto de 1995.
Gosto de Brasília por causa dos amigos, a imensa maioria deles fora do poder, o prazer de ver o prazer das crianças com o generoso espaço, a sensação do céu próximo cortado pelo horizonte sempre do lado.
Depois de 13 anos ali, sofri um processo de saturação com a irrelevância indiscreta de seus personagens, a engenharia da mesquinharia, a genialidade dos pequenos cálculos, a vaidade caricatural, o puxa-saquismo cultural.
É algo que se encontra em qualquer cidade. Apenas, por uma questão política e geográfica, mais concentrado em Brasília.
Não é diferente aqui. Basta ver a engenhosa futilidade que envolve os escândalos de Washington, visível, desta vez, com as fitas contendo indícios de mais estripulias sexuais de Bill Clinton.


Não é fácil sair de Nova York, admito. Às vezes me sinto como se deixasse numa madrugada de inverno a cama da mulher amada e, ainda por cima, obrigado a esperar por um improvável táxi.
Por sofrer de ansiedade crônica e detestar ginástica, andar a pé sempre foi um doce relaxante. O charme de Nova York é dosar o extremo da sofisticação com o extremo da simplicidade.
É o centro do mundo combinado com o aconchego provinciano porque se pode percorrer longas distâncias caminhando. A cada instante nos deparamos, nas ruas, com a relevância discreta dos personagens anônimos.
Quem mora aqui acaba aprendendo que Nova York é um aglomerado de vilas, onde vivem diferentes tribos.
É uma cidade tão segura e importante que vê nas centenas de milhares de estrangeiros que chegam todos os anos não uma ameaça, mas fonte de renovação e ousadia.


Em nenhum lugar existem tantos projetos sociais inovadores, adequados à agenda brasileira. Aqui vemos refletido o retrato amargo do Brasil; pobreza convivendo com riqueza. Só que, no caso de Nova York, é muita riqueza, o que permite o patrocínio das mais fascinantes idéias.
Vi adolescentes pobres, ex-detentos, explicando a Divina Comédia, de Dante, e ainda por cima por meio da Internet. Assisti a aulas em classes de alunos que fizeram parte de gangues ou nunca se interessaram por escola, discutindo com entusiasmo Platão, Sócrates ou Sartre.
Testemunhei bairros serem reconstruídos por jovens que os destruíam; terrenos abandonados viraram jardins porque as escolas ou vizinhos não esperaram pelo poder público.
Conheci uma extraordinária geração de educadores que estão ensinando que, com entusiasmo e método, como jovens condenados à marginalização, entram agora na faculdade. Nenhuma lição é mais vital ao Brasil.
Graças à Universidade de Columbia, onde fui acadêmico visitante no Departamento de Direitos Humanos, Nova York ficou ainda mais cosmopolita.


São Paulo nunca esteve tão deteriorada e abandonada. Como Nova York, exerce, entretanto, fascínio pela força, diversidade e fertilidade de seu capital humano.
Quanto mais me dizem que a cidade está inviável, mais vejo chance de uma virada. Difícil apostar nessa virada, reconheço.
O paulistano, e com muita razão, está com o humor de quem vive em estado permanente de tensão pré-menstrual.
Mas é onde o poder público aumentou a permanência dos alunos nas escolas, banca projetos ousados contra a repetência, apressa a introdução no currículo de temas mais voltados à realidade e empresários abraçam a prioridade social.
Não é pouca coisa que o mais forte candidato à Fiesp -Horácio Piva- tenha colocado a educação como ponto-chave de seu programa ou o mais expressivo empresário, Antônio Ermírio de Moraes, fale mais de cidadania do que economia.
Preste atenção na série de projetos da Fundação Abrinq ou institutos como C&A e Ayrton Senna, Natura, além do envolvimento de bancos como Bradesco, Itaú, Boston ou Citibank.
Estudantes se mobilizam contra a violência; empresários se unem ao poder público e ao meio acadêmico para enfrentar a epidemia da criminalidade.
São notáveis fragmentos de que o corpo está reagindo à infecção. E faz com que, para um brasileiro interessado na engenharia da mudança, São Paulo seja mais interessante do que Nova York.


PS - Quatro professores brasileiros estão fazendo há um mês visitas em algumas das mais inspiradoras experiências educacionais de Nova York. É possível seguir on-line esses contatos num diário de viagem, publicado no seguinte endereço: www.aprendiz.com.br/


Gilberto Dimenstein escreve às quartas-feiras e aos domingos Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com



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