|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
São Paulo é mais interessante do que Nova
York
GILBERTO DIMENSTEIN
"Você está maluco?"
Tenho ouvido essa pergunta
com frequência desde que informei nesta coluna, há três
meses, que trocaria Nova York
por São Paulo.
Apesar da ostensiva incredulidade dos meus colegas de Redação (e inclusive da minha
mulher), a decisão já estava
encaminhada desde que saí de
Brasília em agosto de 1995.
Gosto de Brasília por causa
dos amigos, a imensa maioria
deles fora do poder, o prazer de
ver o prazer das crianças com o
generoso espaço, a sensação do
céu próximo cortado pelo horizonte sempre do lado.
Depois de 13 anos ali, sofri
um processo de saturação com
a irrelevância indiscreta de
seus personagens, a engenharia da mesquinharia, a genialidade dos pequenos cálculos, a
vaidade caricatural, o puxa-saquismo cultural.
É algo que se encontra em
qualquer cidade. Apenas, por
uma questão política e geográfica, mais concentrado em
Brasília.
Não é diferente aqui. Basta
ver a engenhosa futilidade que
envolve os escândalos de Washington, visível, desta vez, com
as fitas contendo indícios de
mais estripulias sexuais de Bill
Clinton.
Não é fácil sair de Nova
York, admito. Às vezes me sinto como se deixasse numa madrugada de inverno a cama da
mulher amada e, ainda por cima, obrigado a esperar por um
improvável táxi.
Por sofrer de ansiedade crônica e detestar ginástica, andar a pé sempre foi um doce
relaxante. O charme de Nova
York é dosar o extremo da sofisticação com o extremo da
simplicidade.
É o centro do mundo combinado com o aconchego provinciano porque se pode percorrer
longas distâncias caminhando. A cada instante nos deparamos, nas ruas, com a relevância discreta dos personagens anônimos.
Quem mora aqui acaba
aprendendo que Nova York é
um aglomerado de vilas, onde
vivem diferentes tribos.
É uma cidade tão segura e
importante que vê nas centenas de milhares de estrangeiros que chegam todos os anos
não uma ameaça, mas fonte de
renovação e ousadia.
Em nenhum lugar existem
tantos projetos sociais inovadores, adequados à agenda
brasileira. Aqui vemos refletido o retrato amargo do Brasil;
pobreza convivendo com riqueza. Só que, no caso de Nova
York, é muita riqueza, o que
permite o patrocínio das mais
fascinantes idéias.
Vi adolescentes pobres,
ex-detentos, explicando a Divina Comédia, de Dante, e ainda por cima por meio da Internet. Assisti a aulas em classes
de alunos que fizeram parte de
gangues ou nunca se interessaram por escola, discutindo com
entusiasmo Platão, Sócrates ou
Sartre.
Testemunhei bairros serem
reconstruídos por jovens que os
destruíam; terrenos abandonados viraram jardins porque
as escolas ou vizinhos não esperaram pelo poder público.
Conheci uma extraordinária
geração de educadores que estão ensinando que, com entusiasmo e método, como jovens
condenados à marginalização,
entram agora na faculdade.
Nenhuma lição é mais vital ao
Brasil.
Graças à Universidade de
Columbia, onde fui acadêmico
visitante no Departamento de
Direitos Humanos, Nova York
ficou ainda mais cosmopolita.
São Paulo nunca esteve tão
deteriorada e abandonada.
Como Nova York, exerce, entretanto, fascínio pela força,
diversidade e fertilidade de seu
capital humano.
Quanto mais me dizem que a
cidade está inviável, mais vejo
chance de uma virada. Difícil
apostar nessa virada, reconheço.
O paulistano, e com muita
razão, está com o humor de
quem vive em estado permanente de tensão pré-menstrual.
Mas é onde o poder público
aumentou a permanência dos
alunos nas escolas, banca projetos ousados contra a repetência, apressa a introdução no
currículo de temas mais voltados à realidade e empresários
abraçam a prioridade social.
Não é pouca coisa que o mais
forte candidato à Fiesp -Horácio Piva- tenha colocado a
educação como ponto-chave
de seu programa ou o mais expressivo empresário, Antônio
Ermírio de Moraes, fale mais
de cidadania do que economia.
Preste atenção na série de
projetos da Fundação Abrinq
ou institutos como C&A e Ayrton Senna, Natura, além do
envolvimento de bancos como
Bradesco, Itaú, Boston ou Citibank.
Estudantes se mobilizam
contra a violência; empresários se unem ao poder público e
ao meio acadêmico para enfrentar a epidemia da criminalidade.
São notáveis fragmentos de
que o corpo está reagindo à infecção. E faz com que, para um
brasileiro interessado na engenharia da mudança, São Paulo
seja mais interessante do que
Nova York.
PS - Quatro professores brasileiros estão fazendo há um
mês visitas em algumas das
mais inspiradoras experiências
educacionais de Nova York. É
possível seguir on-line esses
contatos num diário de viagem, publicado no seguinte endereço: www.aprendiz.com.br/
Gilberto Dimenstein escreve às quartas-feiras
e aos domingos
Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|