São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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NÃO

"Pobre, país ignora democracia"

DA REDAÇÃO

Declarando-se pessimista com as perspectivas para a democracia no Iraque, o professor Patrick Basham, do Instituto Cato -um reputado centro de pesquisas econômicas em Washington, de orientação conservadora-, diz que a melhor herança de sua presença que os EUA podem deixar no Iraque são os preceitos do livre mercado. Afinal, diz, só com maior poder aquisitivo e uma sociedade economicamente competitiva os iraquianos passarão a apreciar e exigir liberdades civis.
Autor da análise "O Iraque pode ser democrático?", Basham falou com a Folha por telefone. A seguir, estão os principais trechos da entrevista. (LC)

 

Folha - O governo dos EUA tem noção da complexidade de implantar uma democracia no Iraque?
Patrick Basham -
Não. Eles pensaram nos aspectos militares muito bem, mas não deram muita importância para o que aconteceria [politicamente] no Iraque depois de Saddam Hussein. Acho que a Casa Branca de Bush acreditava genuinamente que a maioria dos iraquianos fosse apoiar entusiasticamente a democracia nos moldes ocidentais. Eles não estavam prontos para aceitar que a cultura e a sociedade iraquiana são bem diferentes da americana.

Folha - E agora, qual é o melhor passo que os EUA podem dar?
Basham -
O melhor que eles podem fazer é deixar a estrutura para uma economia de mercado. O desenvolvimento econômico, o aumento da renda, é o melhor incentivo para os valores democráticos e liberais. E o Iraque hoje em dia é um país muito pobre. Até que a maioria dos iraquianos se torne mais rica do que é agora, eles permanecerão desinteressados dos temas democráticos.

Folha - Que preceitos econômicos os EUA podem implementar já?
Basham -
Privatizar ao máximo, reduzir impostos o quanto for possível, estimular o trabalho ao máximo como meio de se conseguir benefícios e, principalmente, estimular o investimento externo no país e investir na educação.

Folha - Mas o sr. não acha que também seria difícil impor um sistema de mercado?
Basham -
Esse sistema ofereceria mais oportunidades, sobretudo de emprego. Os iraquianos passaram uma geração com a economia controlada pelo Estado, acho que eles podem ser persuadidos rapidamente sobre o lado negativo de uma economia controlada pelo Estado e se entusiasmarem com a idéia de explorar um sistema de livre mercado. Não vejo uma razão pela qual o Iraque não possa apoiar o livre mercado.

Folha - Qual modelo político funcionaria melhor agora?
Basham -
Seja qual for o modelo, será muito difícil sustentá-lo. Mas, se temos de sair do Iraque e deixar lá um modelo, seria bom deixar uma Constituição como a americana, que protege os direitos políticos e econômicos e limita o poder do governo. Ela deve ter uma descrição muito clara do papel do governo. Eu também recomendo ao governo interino paciência com as eleições.

Folha - Eleições nacionais neste ano são uma utopia?
Basham -
Sim. Eles têm o problema da logística, literalmente não dá para organizar uma eleição agora. E, mesmo que desse, não creio que seriam livres e justas.

Folha - A Autoridade Provisória da Coalizão pode ter de recorrer ao extinto partido Baath para evitar o fundamentalismo islâmico?
Basham -
Esse é um dilema para a APC desde o início, porque você tem apenas duas fontes reais de poder no Iraque hoje -os elementos mais fundamentalistas, xiitas em sua maioria, e as estruturas políticas vigentes sob o regime de Saddam, ligadas ao Baath. Nos últimos meses, se analisarmos caso a caso, quando Paul Bremer [chefe da APC] teve de optar, ele escolheu os baathistas.

Folha - E os líderes tribais, terão lugar no futuro governo?
Basham -
É uma liderança que não há como erradicar no curto prazo. Eles terão de ter um lugar garantido, porque, se não tiverem, estaremos garantindo a instabilidade e o fracasso.

Folha - O sr. vê um papel para a ONU no governo transitório?
Basham -
A ONU pode supervisionar as eleições, mas esse seria o limite para sua intervenção.

Folha - Como o sr. vê a "democracia iraquiana" em 20 anos?
Basham -
Se tudo for bem, daqui a 20 anos poderemos conseguir identificar os primeiros sinais significativos de uma democracia se firmando. Mas há uma grande chance de estarmos lidando com o pior cenário.

Folha - E qual seria esse cenário?
Basham -
A economia continuaria em má situação, e, em parte refletindo isso, a política seria dominado por extremistas religiosos. O país, dividido em religiões, etnias e regiões, continuaria sendo muito violento. E continuaria hostil aos valores ocidentais.



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