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ÁSIA CENTRAL
"Senhores da guerra" ameaçam reconstrução
Ex-enviado da ONU vê avanços no Afeganistão apesar da insegurança
CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK
Após dois anos como enviado
especial das Nações Unidas ao
Afeganistão, o diplomata argelino
Lakhdar Brahimi, 70, comenta
com orgulho os avanços ocorridos no país desde a deposição do
regime islâmico extremista do Taleban pelas forças da coalizão liderada pelos EUA.
Brahimi, que deixou o cargo no
começo deste ano, enfatiza que 2
milhões de refugiados voltaram,
que 4 milhões de crianças estão na
escola e que a pólio está praticamente erradicada.
O entusiasmo, no entanto, é
temperado pela preocupação
com a questão da segurança do
país, sobretudo com relação às
milícias comandadas pelos "senhores da guerra". "Há situações
nas quais ninguém atinge você diretamente, mas podem chegar e
falar: "Se você não votar em mim
amanhã...'", diz Brahimi, que faz
um gesto simulando uma faca
cortando a garganta.
Brahimi foi nomeado para o
posto no Afeganistão em outubro
de 2001. À frente da missão da
ONU, ele foi o principal responsável por costurar os acordos de
Bonn, que levaram à formação da
Loya Jirga (ou "grande conselho",
que reuniu 500 delegados de 32
Províncias) e ao estabelecimento
da nova Constituição.
Ao regressar a Nova York, Brahimi ganhou a função de conselheiro do secretário-geral da
ONU, Kofi Annan.
O novo posto, segundo ele, não
envolverá atuação direta no processo de reconstrução do Iraque.
A administração Bush, entretanto, faz forte pressão para que o ex-enviado chefie uma missão da
ONU no Iraque.
Leia a seguir a entrevista concedida por Brahimi à Folha em seu
escritório na sede das Nações
Unidas, em Nova York.
Folha - Qual é a sua avaliação do
papel da ONU no cenário pós-guerra do Afeganistão?
Ladhkar Brahimi - Boa. A ONU
está envolvida há muitos anos no
Afeganistão. Isso já ocorre desde
os anos 90, quando havia muito
pouco interesse pelo país. No aspecto político, as Nações Unidas
participaram e organizaram o
processo de Bonn. A última e decisiva etapa dessa nossa ajuda foi
a Constituição.
Folha - Recentemente o sr. pediu
a ampliação urgente da participação das forças militares internacionais também em regiões fora da capital, Cabul. Qual é a extensão do
problema da segurança no Afeganistão?
Brahimi - A segurança ainda é
um problema muito sério. É uma
grave ameaça à implementação
do processo de reconstrução do
país e ao processo político. A própria atividade da ONU está restrita em algumas áreas por causa da
questão de segurança. O Conselho de Segurança adotou uma resolução que permite a expansão
de forças ao redor de Cabul, mas
isso ainda não se concretizou. Por
isso, fiz esse apelo. Há as "equipes
de reconstrução das Províncias"
[grupos militares liderados pelos
EUA, mas que não são submetidos a um mandato da ONU] e elas
parecem estar crescendo. É um
modo de expandir a presença militar fora de Cabul. É melhor do
que nada, mas não acredito que
seja a melhor solução.
Folha - Devido à insegurança no
país, o senhor acredita ser possível
a realização de eleições gerais ainda neste ano?
Brahimi - Estamos trabalhando
nisso agora para ver como organizar os preparativos dessas eleições e analisar quando elas serão
possíveis. Acredito que pensar em
eleições presidenciais em agosto
ou setembro deste ano seja realístico. Mas, pessoalmente, eu duvido que seja possível ter eleições
presidenciais e parlamentares ao
mesmo tempo neste ano.
Folha - Qual a ameaça representada pelos "senhores da guerra"?
Brahimi - A divisão de facções é
certamente um problema para a
sociedade. É preciso termos certeza de que esses chamados "senhores da guerra" não vão utilizar a
força para influenciar o voto. A
questão de segurança não é apenas a presença de uma bomba. Há
situações nas quais ninguém atinge você diretamente, mas podem
chegar e falar: "Se você não votar
em mim amanhã...".
Folha -Como o sr. acredita que o
Afeganistão deva equilibrar uma
democracia à moda ocidental com
o legado da tradição islâmica e tribal?
Brahimi - Os afegãos estão tentando encontrar o equilíbrio adequado entre tradição, religião e
modernidade. Não existe ainda
um consenso entre os afegãos sobre como isso deve ocorrer, mas a
nova Constituição é um sinal de
esperança de que eles terão a capacidade de encontrar esse equilíbrio. Nós, estrangeiros, temos de
ter paciência e respeito. Temos de
deixar que eles trilhem o seu próprio caminho, com a velocidade
que eles julgarem ser a mais adequada.
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