São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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TERRORISMO

Ação suicida realizada por mãe de dois filhos e decisão do Hamas de usar mulheres em ataques provocam críticas

Uso de mulher-bomba choca palestinos

Hamas Ho/Associated Press
REEM AL REYASHI, 22, mãe de dois filhos, matou quatro israelenses no último dia 14 em Gaza


HELOISA PAIT
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A participação de mulheres em atentados terroristas, em especial em operações suicidas, provoca reações diversas na sociedade palestina e entre estudiosos do terrorismo no Oriente Médio.
O tema ganhou relevância desde o último 14, quando a palestina Reem al Reyashi, 22, se explodiu entre Gaza e Israel, deixando para trás dois filhos, com menos de quatro anos de idade. Quatro israelenses morreram.
O atentado foi assumido pelo Hamas, que nunca havia utilizado mulheres em ações suicidas. Seu líder espiritual, o xeque Ahmed Yassin, disse que o maior grupo terrorista palestino passará a usar mulheres nesse tipo de ação.

"Um novo recomeço"
Yassin qualificou a decisão como "um novo recomeço para as mulheres" e declarou que a guerra santa [contra Israel] é "uma obrigação para todos os muçulmanos, homens e mulheres".
O xeque também deu uma explicação mais pragmática para a decisão: medidas de segurança adotadas por Israel teriam dificultado a ação de homens-bomba.
Nos últimos 39 meses de violência, mais de 400 israelenses perderam a vida em 108 ataques suicidas palestinos. Sete dos ataques foram cometidos por mulheres, mas nenhum antes por uma mulher casada ou com filhos. E nenhum assumido pelo Hamas.
O Jihad Islâmico, outro grupo terrorista palestino, já utilizou mulheres-bomba, assim como a Brigada dos Mártires de Al Aqsa.
O próprio Yassin declarou, após o primeiro ataque suicida feito por uma mulher palestina em janeiro de 2002, que elas só deveriam se engajar em operações terroristas se acompanhadas de um homem. No mês seguinte, ele reconheceu o direito das mulheres de participar de ataques desde que não ficassem mais de 24 horas longe de casa. Ou seja, descartou que elas se explodissem.
Na sociedade palestina -onde 61% da população apóia os ataques suicidas contra Israel, segundo pesquisa recente do Centro de Comunicação e Mídia de Jerusalém-, o atentado de 14 de janeiro provocou reações de choque.

Melhor cuidar dos filhos
"Famílias se rebelam contra a cultura da morte" foi o título de um artigo no jornal palestino "Al Ayyam". Um Ayam, habitante da Cidade de Gaza, disse aprovar ataques suicidas desde que não envolvessem mulheres, pois "elas estariam melhor cuidando de seus filhos". "Se necessário, apóio o envio de mulheres em ataques suicidas, mas não se elas forem casadas", disse Zaki Abu Teimeh, um desempregado de Gaza.
Mas, apesar do choque, milhares de pessoas compareceram ao funeral da mãe-bomba, em Gaza.
Em 2002, durante encontro de mulheres relatado pela jornalista Farnaz Fassihi, muitas palestinas disseram acreditar que o papel das mulheres na Intifada (revolta palestina contra Israel) devia ser ativo, mas que não era necessário que elas perdessem a vida para mostrar dedicação à causa.
Outras mulheres desistem da operação no meio do caminho. Em 2002, a palestina Tawriya Hamamra sentiu-se desconfortável quando soube que teria de usar roupas justas e maquiagem, provavelmente para ser confundida com uma jovem israelense.
E desistiu de vez quando os comandantes da operação lhe ordenaram que detonasse os explosivos caso fosse descoberta, de forma a evitar ser presa.
Ela disse a jornalistas que também pensou que poderia estar matando bebês, mulheres e pessoas doentes e imaginou como seria se sua família estivesse num restaurante no momento de um ataque suicida.
A pesquisadora Clara Beyler, do Instituto de Políticas Internacionais de Contra-Terrorismo, em Israel, sustenta que, nas culturas onde há ocorrência de ataques suicidas praticados por mulheres, o sexo feminino está restrito à esfera privada. Não seria o caso, no entanto, da sociedade palestina, diz Beyler, onde as mulheres têm mais direitos do que em outros países muçulmanos, podendo votar, dirigir automóveis e ter propriedades em seu nome.
Ela sustenta que um certo grau de coerção teria induzido algumas das mulheres-bomba a realizar os ataques.
Já para a escritora jordaniana-americana Diana Abu Jaber, "as mulheres encontram um fortalecimento político no fundamentalismo. Elas sentem que lutam juntas por uma agenda política, têm uma missão à frente e estão construindo sua própria identidade cultural". Mas, em entrevista por telefone à Folha, ela se distancia dessa ideologia, parafraseando Borges: "Ainda acredito na superstição da democracia".
Apesar de pouca cobertura por parte da imprensa internacional, o maior número de ataques suicidas femininos foi realizado pelos Tigres do Tamil, uma organização separatista no Sri Lanka (sul da Ásia), que chegou a assassinar importantes líderes políticos.
Assim como em Israel, o número de ataques suicidas femininos na Tchetchênia (república islâmica separatista da Rússia) ainda é pequeno. Mas a participação do sexo feminino em organizações terroristas está crescendo.

Mulheres mais atuantes
Num extenso artigo publicado pela revista americana "Vogue" em dezembro de 2003, a jornalista Deborah Scroggins relata a extensão da participação de mulheres em organizações fundamentalistas ou terroristas islâmicas.
Mulheres manteriam websites de organizações clandestinas em Londres, apoiariam seus filhos que seguem para a "guerra santa" na Caxemira (região em disputa entre o Paquistão, muçulmano, e a Índia, de maioria hindu) e, segundo uma militante da Al Qaeda, seriam responsáveis por centros de treinamento feminino.
A especialista americana em terrorismo Jessica Stern acusa o governo dos EUA de ignorar essa nova realidade. Segundo ela, as roupas tradicionais muçulmanas e a revista menos agressiva poderiam ajudar as mulheres no transporte de armas. Mesmo assim, as mulheres não estariam sujeitas à vigilância dispensada aos suspeitos do sexo masculino.

Com agências internacionais


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