São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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Engajamento feminino no islã cresce e inclui violência

FREE-LANCE PARA A FOLHA

As mulheres estão cada vez mais atuantes em movimentos islâmicos como forma de conquistar mais voz no debate político. Na maioria das vezes, essa atuação é totalmente pacífica, mas, em alguns casos, pode envolver ações violentas. É o que diz o cientista político francês Frédéric Volpi, 34, que leciona na Universidade de Bristol (Reino Unido).
Para o estudioso, "as mulheres conseguiram usar formas modernas, ainda que radicais, do islã político, para superar a tradição e obter um lugar na mesa política".
Volpi é autor do livro "Islam and Democracy" (islã e democracia), lançado em 2003 e que trata do conflito político na Argélia. Leia entrevista concedida à Folha por telefone. (HP)

 

Folha - Como você vê a presença de mulheres em organizações terroristas islâmicas?
Frédéric Volpi -
Parece haver um aumento da participação das mulheres em atividades radicais islâmicas, mas ainda se trata de um pequeno número e é difícil afirmar se representa uma tendência.
Mas as mulheres têm tido um importante papel no renascimento do islã político, envolvendo-se no mesmo tipo de atividade política, educacional e econômica que os homens. A maior parte das atividades desses movimentos islâmicos é na realidade social: prestar ajuda aos menos favorecidos, cuidar de escolas islâmicas etc. São atividades que objetivam fortalecer os laços comunitários.
Algumas dessas pessoas, homens ou mulheres, se envolvem com atividades mais políticas, como a organização de partidos ou associações políticas, escrevem, debatem e lutam por causas políticas. Fazem isso de maneira legal, se possível, mas dado o autoritarismo estatal dos países em que vivem, podem acabar na ilegalidade e até em atos violentos. Mas essa é uma parte marginal dos movimentos islâmicos, que ganha visibilidade pelo seu caráter espetacular.

Folha - As organizações sociais islâmicas têm um papel democratizante como na América Latina?
Volpi -
Têm um papel positivo no sentido de que dão voz às pessoas e as fortalecem politicamente. Mas a maioria dos grupos islâmicos discorda do modelo da democracia liberal ocidental. Lutam por eleições, mas querem impor um contrato social islâmico que mantenha as diferenças entre homens e mulheres, os códigos de vestimentas, e não permita o álcool, por exemplo. O Irã seria um exemplo dessa democracia islâmica. No Ocidente, isso não seria considerado uma democracia.
Agora, se estamos falando de democracia como algo que dá voz ao povo, então as pessoas que deveriam estar no comando são as desses movimentos, pelo fato matemático de que elas são mais numerosas nos movimentos sociais do que a elite ocidentalizada e os que apóiam os regimes não-democráticos do mundo islâmico.
É bem provável que a democracia favoreça os movimentos islâmicos moderados na maior parte dos países islâmicos.

Folha - E como se explica a opção pela violência de vários movimentos islâmicos?
Volpi
O autoritarismo do Estado acaba dando uma justificativa para a violência dos movimentos islâmicos, mas com uma oposição violenta esses regimes não podem se abrir sem correr sérios riscos. Então, cria-se um impasse.

Folha - Nesse xadrez político, onde as mulheres se encaixam?
Volpi -
Tradicionalmente, as mulheres não tiveram papel importante na política e em movimentos sociais no islã. Através do islã político, que é uma versão moderna do islã, que está reinventando o islã para o mundo moderno, as mulheres conseguiram ter voz no debate político.
Nos últimos 20 anos, as mulheres têm estado cada vez mais ativas no mundo islâmico como atores políticos e sociais. Conseguiram usar formas modernas, ainda que radicais, do islã político, para superar a tradição e obter um lugar na mesa política. Pode-se ver a participação das mulheres em atividades violentas hoje como a conseqüência lógica de sua nova condição mais atuante. Nesse ativismo islâmico, as mulheres devem se comportar de acordo com o islã, mas ganham força política na medida em que participam dessa reinvenção do islã.

Folha - E as mulheres que não aceitam esse islã político?
Volpi -
Há mulheres que querem fazer parte de uma democracia liberal e secular, e aí há um grande choque. Essas mulheres são alvo dos movimentos islâmicos, pois são vistas como um péssimo exemplo de como uma mulher deve se comportar, e também dos governos autoritários. Ela ficam num fogo cruzado. Mas é preciso dizer que as mulheres que apóiam o movimento islâmico são muito mais numerosas do que a elite ocidentalizada e liberal, que é apenas isso: uma elite.



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