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Grupo é um misto de bombas com filantropia
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Hamas é qualificado como
terrorista pela União Européia,
pelos EUA, pelo Canadá e por Israel. Desde junho de 2001, quando 22 civis israelenses morreram
em Tel Aviv em atentado de um
homem-bomba, o grupo sobressaiu pela força bruta e pela pregação de um islamismo sectário.
Seus atentados foram condenados pela Comissão de Direitos
Humanos da ONU, pela Anistia
Internacional e pela Human
Rights Watch. A partir de 2001,
seus fundos foram congelados em
bancos europeus e americanos.
Mas existem três ramificações
simultâneas da mesma organização. O Hamas é também o partido
político que em 2005 obteve
maioria em um terço das câmaras
municipais de Gaza e Cisjordânia
e que agora ameaça o predomínio
laico nas instituições palestinas.
É ainda uma rede filantrópica
-escolas, orfanatos, postos de
saúde e sistema de pensões para
inválidos-, que preenche uma
demanda que a Autoridade Nacional Palestina não satisfaz com
sua precária seguridade social.
O grupo publicou em 1988 uma
carta de fundação em 36 artigos
que previa a destruição de Israel e
a instalação na Palestina de uma
república islâmica. O texto é de
um anti-semitismo cruel. Evoca
uma teologia excludente, com a
desumanização sumária de quem
não siga a religião oficial.
Mas não é essa a linguagem agora utilizada para a coleta de votos
palestinos. O Hamas se tornou o
partido da "ética na política", em
contraposição à corrupção do Fatah. Islah Jad, cientista político da
Universidade Bir Zeit, disse ontem ao "Le Monde" que o grupo é
bem mais vulnerável às idéias do
mundo laico. Tanto que suas chapas trazem candidatos não-muçulmanos, entre eles, cristãos.
Hamas é a abreviação em árabe
de Movimento de Resistência Islâmica. A sigla também pode ser
lida como uma palavra que significa zelo, entusiasmo. Suas origens datam de 1967, quando, sem
a atual denominação, surgiu como entidade assistencial financiada pelos sauditas e que visava os
mais pobres de Gaza. Inspirava-se
na Irmandade Islâmica, surgida
no Egito em 1928 e da qual procurava ser o espelho em territórios
ocupados por Israel.
Em 1973, com o nome de Al
Mujamma al Islami, o Hamas foi
registrado e reconhecido pelo governo israelense. Recebeu por
vias indiretas dinheiro público de
Tel Aviv, segundo informantes da
CIA consultados em 2002 pelo
jornalista Richard Sale.
A idéia era simples: ao fortalecer
o que se tornaria o Hamas, Israel
enfraqueceria a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) de Iasser Arafat, na época grupo terrorista. Mas a organização
islâmica tomou o espaço da coalizão de partidos laicos quando esta
se mudou para o Líbano e sua direção fugiu para a Tunísia.
O Hamas ampliou internamente seu entusiasmo com a vitória
dos aiatolás no Irã, em 1979. Mas
suas atividades continuaram a ser
-como até hoje- mais filantrópicas. Segundo o Council on Foreign Affairs, um centro de estudos americano, a filantropia consome 90% de um orçamento
anual de US$ 70 milhões. As viúvas e órfãos de "mártires" recebem pensões maiores. Mas ninguém fica ao desabrigo, dentro de
um sistema de cadastramento de
carentes operado por militantes
dentro da rede de mesquitas.
Na "guerra" que declarou a Israel, o Hamas perdeu nove de
suas 17 mais conhecidas lideranças. Entre elas, o xeque Ahmed
Yassin, morto em 2004, e seu
substituto, Abdel Aziz al Rantissi,
morto algumas semanas depois.
Ao produzir essa sucessão de
"mártires", os israelenses não
provocaram necessariamente a
diminuição do terrorismo -o
número menor de atentados é
atribuído ao muro construído pelo primeiro-ministro Ariel Sharon entre Israel e a Cisjordânia.
Mas, com sua direção pulverizada
o Hamas não tem mais um porta-voz com quem o Fatah e até os israelenses possam hoje negociar.
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