São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Grupo é um misto de bombas com filantropia

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Hamas é qualificado como terrorista pela União Européia, pelos EUA, pelo Canadá e por Israel. Desde junho de 2001, quando 22 civis israelenses morreram em Tel Aviv em atentado de um homem-bomba, o grupo sobressaiu pela força bruta e pela pregação de um islamismo sectário.
Seus atentados foram condenados pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, pela Anistia Internacional e pela Human Rights Watch. A partir de 2001, seus fundos foram congelados em bancos europeus e americanos.
Mas existem três ramificações simultâneas da mesma organização. O Hamas é também o partido político que em 2005 obteve maioria em um terço das câmaras municipais de Gaza e Cisjordânia e que agora ameaça o predomínio laico nas instituições palestinas.
É ainda uma rede filantrópica -escolas, orfanatos, postos de saúde e sistema de pensões para inválidos-, que preenche uma demanda que a Autoridade Nacional Palestina não satisfaz com sua precária seguridade social.
O grupo publicou em 1988 uma carta de fundação em 36 artigos que previa a destruição de Israel e a instalação na Palestina de uma república islâmica. O texto é de um anti-semitismo cruel. Evoca uma teologia excludente, com a desumanização sumária de quem não siga a religião oficial.
Mas não é essa a linguagem agora utilizada para a coleta de votos palestinos. O Hamas se tornou o partido da "ética na política", em contraposição à corrupção do Fatah. Islah Jad, cientista político da Universidade Bir Zeit, disse ontem ao "Le Monde" que o grupo é bem mais vulnerável às idéias do mundo laico. Tanto que suas chapas trazem candidatos não-muçulmanos, entre eles, cristãos.
Hamas é a abreviação em árabe de Movimento de Resistência Islâmica. A sigla também pode ser lida como uma palavra que significa zelo, entusiasmo. Suas origens datam de 1967, quando, sem a atual denominação, surgiu como entidade assistencial financiada pelos sauditas e que visava os mais pobres de Gaza. Inspirava-se na Irmandade Islâmica, surgida no Egito em 1928 e da qual procurava ser o espelho em territórios ocupados por Israel.
Em 1973, com o nome de Al Mujamma al Islami, o Hamas foi registrado e reconhecido pelo governo israelense. Recebeu por vias indiretas dinheiro público de Tel Aviv, segundo informantes da CIA consultados em 2002 pelo jornalista Richard Sale.
A idéia era simples: ao fortalecer o que se tornaria o Hamas, Israel enfraqueceria a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) de Iasser Arafat, na época grupo terrorista. Mas a organização islâmica tomou o espaço da coalizão de partidos laicos quando esta se mudou para o Líbano e sua direção fugiu para a Tunísia.
O Hamas ampliou internamente seu entusiasmo com a vitória dos aiatolás no Irã, em 1979. Mas suas atividades continuaram a ser -como até hoje- mais filantrópicas. Segundo o Council on Foreign Affairs, um centro de estudos americano, a filantropia consome 90% de um orçamento anual de US$ 70 milhões. As viúvas e órfãos de "mártires" recebem pensões maiores. Mas ninguém fica ao desabrigo, dentro de um sistema de cadastramento de carentes operado por militantes dentro da rede de mesquitas.
Na "guerra" que declarou a Israel, o Hamas perdeu nove de suas 17 mais conhecidas lideranças. Entre elas, o xeque Ahmed Yassin, morto em 2004, e seu substituto, Abdel Aziz al Rantissi, morto algumas semanas depois.
Ao produzir essa sucessão de "mártires", os israelenses não provocaram necessariamente a diminuição do terrorismo -o número menor de atentados é atribuído ao muro construído pelo primeiro-ministro Ariel Sharon entre Israel e a Cisjordânia. Mas, com sua direção pulverizada o Hamas não tem mais um porta-voz com quem o Fatah e até os israelenses possam hoje negociar.


Texto Anterior: Hamas é incógnita nas eleições de hoje
Próximo Texto: Saiba mais: Sistema palestino misto dá lugar para as minorias
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.