São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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RETORNO

Último colocado na eleição presidencial de 99, o superministro é quem governa o país de fato, segundo analistas

De la Rúa passa o poder argentino a Cavallo

Reuters - 22.mar.2001
De la Rúa (dir.) e Cavallo (esq.) deixam a sede do governo argentino


JOSÉ ALAN DIAS
DE BUENOS AIRES

O homem que governa de fato a Argentina desde a madrugada de segunda-feira é o mesmo que terminou as eleições presidenciais de 1999 como último colocado.
Ao convocar oficialmente Domingo Felipe Cavallo, 55, para assumir um cargo em sua gestão -mais tarde seria definido como ministro da Economia-, o presidente Fernando de la Rúa praticamente abriu mão da parca liderança política que ainda detinha.
Mito (o apodo, nesse caso, não é exagerado) na Argentina, respeitado na comunidade internacional, o economista que em 91 obteve a aprovação por lei da proposta que atrelava a moeda local, o peso, ao dólar norte-americano, na paridade de um por um -pondo fim à hiperinflação-, aparecia como a única figura com força para contornar a nova crise em que mergulhara o governo após o anúncio de um plano de ajustes.
O pacote preparado pelo então ministro da Economia, Ricardo López Murphy, com cortes de US$ 2 bilhões este ano, obtivera unanimidade: fora rechaçado por todas as correntes políticas, da base oficialista e da oposição.
A coalizão que sustentava De la Rúa, formada pela UCR (União Cívica Radical) e pela Frepaso, e que estava moribunda desde a renúncia do vice-presidente Carlos Alvarez, em outubro, rachou formalmente com a retirada de todos os frepasistas do gabinete do governo. Na UCR, haveria a baixa de dois ministros ligados ao líder do partido, Raúl Alfonsín.
De la Rúa convocou um governo de "unidade nacional", em torno da figura de Cavallo, e pediu ao Congresso poderes para atuar ao mesmo tempo como Executivo e Legislativo -na prática, ditar normas e resoluções sem precisar da ratificação dos parlamentares.
Cavallo, que já teria poderes, ampliou-os com a renúncia de López Murphy: é ao mesmo tempo ministro da Economia e governante -e poderá receber, neste fim-de-semana, as faculdades especiais que exigira dos parlamentares em projeto redigido por ele próprio para salvar a economia, em recessão há 32 meses.
"Esse governo não tem nada daquele que foi eleito em 1999. Naquelas eleições, De la Rúa obteve metade dos votos (48,5%), (Eduardo) Duhalde (candidato do Partido Justicialista, hoje oposição) teve 39%, e Cavallo, 10%. Hoje, quem manda são os 10%, os que perderam. Ninguém duvida de que será Cavallo quem ditará as ordens", diz o analista político Oscar Raúl Cardozo.
O analista ressalta que, entre os três candidatos, o agora mais uma vez superministro era o único que representava uma continuidade da gestão de Carlos Menem (1989-1999), de quem fora ministro da Economia entre 1991 e 1996. A era Menem fora marcada pelo fim da inflação e por uma expansão econômica de até 6% ao ano, mas também por um processo desenfreado de privatizações, pelo crescimento do desemprego e por denúncias de corrupção.
Cavallo se distanciou de Menem e fundou seu próprio partido, o Ação pela República. Elegeu-se deputado nacional, perdeu duas eleições (à Presidência e à Prefeitura de Buenos Aires). Mas conservou inabalável seu prestígio como pragmático.
Nesta semana, enquanto as únicas ações públicas de peso de De la Rúa foram o anúncio, na madrugada de terça, da saída de López Murphy e a tomada de juramento do sucessor no dia seguinte, Cavallo esteve em todas as partes. Negociou com parlamentares a cessão de poderes especiais ao Executivo, comunicou em Brasília a decisão de reduzir tarifas de importação de bens de capital, como máquinas, para estimular industriais argentinos, e até saiu a público para desmentir a renúncia do presidente.
"O tema hoje é se Cavallo vai ser imperador ou não", diz o analista Ricardo Rouvier. "Para De la Rúa, Domingo Cavallo é a última cartada para ele terminar o governo. Se Cavallo fracassar, teremos uma crise institucional, com uma possível renúncia e convocação de eleições. Se tiver sucesso, será um candidato muito forte para as eleições de 2003", afirma.
Na sexta-feira, uma pesquisa divulgada pela consultoria Hugo Haime apontava que Cavallo detinha imagem positiva junto a 45,3% dos entrevistados. A de De la Rúa não ultrapassava 25,8% -esteve em 70% quando foi eleito-, atrás ainda de seu ex-vice, Carlos "Chacho" Alvarez (31,9%), e de Alfonsín (35,1%).
O retorno triunfal de Cavallo representa também uma virada na postura ideológica da gestão De la Rúa. O presidente argentino foi eleito por uma coalizão formada por um partido de centro, a UCR, e outro de centro-esquerda, a Frepaso. Hoje, tem o apoio formal do partido de Cavallo (de direita, e com apenas 12 deputados), de parte da UCR (não ligada a Alfonsín) e até da parcela do Partido Justicialista ligada a Menem e de frepasistas que seguem as instruções de "Chacho" Alvarez.


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