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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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ANÁLISE

País mostra limite do poderio americano

PHILIP STEPHENS
DO "FINANCIAL TIMES"

O Iraque foi a história do poderio militar ilimitado dos EUA. A Coréia do Norte é testemunho de seus limites. Apesar de toda a discussão e o palavrório nas Nações Unidas, a deposição de Saddam Hussein foi, em essência, um ato de unilateralismo americano.
Já o ditador norte-coreano, Kim Jong-il, é um lembrete diário para Washington de que nem mesmo a única superpotência do mundo pode dar as costas por completo ao multilateralismo.
É possível dizer que Bagdá era de longe o mais fraco dos três "inimigos" identificados no discurso de Bush sobre o "eixo do mal". Meu palpite é que o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, pensaria duas vezes antes de invadir o Irã. E tudo isso, é claro, sem falar na Coréia do Norte.
O regime de Pyongyang é tão malévolo quanto era o de Saddam Hussein -provavelmente mais. Além disso, é bem mais perigoso. Último resquício do stalinismo no mundo, governa por meio da repressão cruel e seletiva e da fome não tão seletiva imposta à sua população. Ele possui mísseis balísticos em abundância. Enquanto forças americanas e britânicas vasculham o Iraque em busca de armas de destruição em massa, a Coréia do Norte já alcançou o limiar nuclear, se é que já não o atravessou. O que é pior, Pyongyang é um grande proliferador. Seus mísseis são oferecidos a qualquer interessado que seja capaz de preencher um cheque de valor suficiente. E devemos supor que o mesmo se aplique a seus materiais nucleares. Se a Coréia do Norte ativar sua usina em Yongbyon, ela poderá reprocessar plutônio suficiente para produzir uma bomba nuclear em um mês. A resposta de Donald Rumsfeld é "mudança de regime". Já ouvi o argumento diretamente de funcionários da administração americana. A Coréia do Norte já está falida. Uma combinação de isolamento diplomático, sanções draconianas e bloqueio faria o regime cair. Os EUA também deveriam ameaçar com bombardeios "cirúrgicos" contra Yongbyon.
Mas existem um ou dois poréns. É possível que Kim não espere para ser deposto. Mesmo aqueles que já estiveram com ele em primeira mão não se consideram capazes de dizer o que se passa em sua cabeça. A diplomacia de seu regime fechado se baseia justamente em seu caráter imprevisível. Mas os ocidentais geralmente deixam Pyongyang com uma impressão muito firme na cabeça.
Com a ajuda da nova doutrina de segurança nacional de Bush, que autoriza a guerra preventiva, e das reflexões de Donald Rumsfeld e outros, o regime da Coréia do Norte se convenceu de que sua existência de fato corre perigo. Logo, está se preparando para uma guerra. A seu ver, a conclusão que tirou da invasão anglo-americana do Iraque é inteiramente lógica. A melhor maneira de deter um ataque americano é construir e posicionar um artefato nuclear dissuasivo e digno de crédito como tal. Enquanto isso, porém, o país possui artilharia suficiente posicionada ao longo de sua fronteira com a Coréia do Sul, pronta para destruir a maior parte de Seul. As armas de precisão de que Rumsfeld tanto gosta poderiam, sim, destruir Yongbyon. O presidente Bill Clinton já tinha pensado nisso em 1993. Mas Bush não tem como fugir da conclusão à qual chegou Clinton: dezenas de milhares de sul-coreanos, além de grande número de militares americanos, morreriam se Pyongyang retaliasse. E não há nada que leve a crer que ele não o faria.
O segundo problema é que mesmo uma estratégia coerciva que não chegasse ao ponto de constituir guerra dependeria da cooperação dos vizinhos da Coréia do Norte. E eles não querem hostilidades com Pyongyang. A Coréia do Sul fica nervosa quando Kim diz que sanções seriam vistas como ato de guerra. A China não enxerga exatamente a coincidência de interesses estratégicos com os dos EUA. Apesar de Pequim ocasionalmente ficar frustrada com os excessos e a imprevisibilidade de seu Estado cliente, o fato é que a Coréia atua como amortecedor importante entre China e EUA.
Parece que já é tarde demais para impedir que Pyongyang adquira poder nuclear. Provavelmente o melhor que se conseguirá com uma reformulação são salvaguardas sólidas contra a proliferação nuclear em troca de garantias de segurança e assistência econômica. Para muitos em Washington, um acordo desse tipo seria intragável. Mas uma guerra na península coreana seria ainda pior.


Tradução de Clara Allain


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