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ANÁLISE
País mostra limite do poderio americano
PHILIP STEPHENS
DO "FINANCIAL TIMES"
O Iraque foi a história do poderio militar ilimitado dos EUA. A
Coréia do Norte é testemunho de
seus limites. Apesar de toda a discussão e o palavrório nas Nações
Unidas, a deposição de Saddam
Hussein foi, em essência, um ato
de unilateralismo americano.
Já o ditador norte-coreano, Kim
Jong-il, é um lembrete diário para
Washington de que nem mesmo
a única superpotência do mundo
pode dar as costas por completo
ao multilateralismo.
É possível dizer que Bagdá era
de longe o mais fraco dos três
"inimigos" identificados no discurso de Bush sobre o "eixo do
mal". Meu palpite é que o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld,
pensaria duas vezes antes de invadir o Irã. E tudo isso, é claro, sem
falar na Coréia do Norte.
O regime de Pyongyang é tão
malévolo quanto era o de Saddam
Hussein -provavelmente mais.
Além disso, é bem mais perigoso.
Último resquício do stalinismo
no mundo, governa por meio da
repressão cruel e seletiva e da fome não tão seletiva imposta à sua
população. Ele possui mísseis balísticos em abundância. Enquanto
forças americanas e britânicas
vasculham o Iraque em busca de
armas de destruição em massa, a
Coréia do Norte já alcançou o limiar nuclear, se é que já não o
atravessou. O que é pior, Pyongyang é um grande proliferador.
Seus mísseis são oferecidos a
qualquer interessado que seja capaz de preencher um cheque de
valor suficiente. E devemos supor
que o mesmo se aplique a seus
materiais nucleares. Se a Coréia
do Norte ativar sua usina em
Yongbyon, ela poderá reprocessar plutônio suficiente para produzir uma bomba nuclear em um
mês. A resposta de Donald Rumsfeld é "mudança de regime". Já
ouvi o argumento diretamente de
funcionários da administração
americana. A Coréia do Norte já
está falida. Uma combinação de
isolamento diplomático, sanções
draconianas e bloqueio faria o regime cair. Os EUA também deveriam ameaçar com bombardeios
"cirúrgicos" contra Yongbyon.
Mas existem um ou dois poréns.
É possível que Kim não espere para ser deposto. Mesmo aqueles
que já estiveram com ele em primeira mão não se consideram capazes de dizer o que se passa em
sua cabeça. A diplomacia de seu
regime fechado se baseia justamente em seu caráter imprevisível. Mas os ocidentais geralmente
deixam Pyongyang com uma impressão muito firme na cabeça.
Com a ajuda da nova doutrina
de segurança nacional de Bush,
que autoriza a guerra preventiva,
e das reflexões de Donald Rumsfeld e outros, o regime da Coréia
do Norte se convenceu de que sua
existência de fato corre perigo.
Logo, está se preparando para
uma guerra. A seu ver, a conclusão que tirou da invasão anglo-americana do Iraque é inteiramente lógica. A melhor maneira
de deter um ataque americano é
construir e posicionar um artefato nuclear dissuasivo e digno de
crédito como tal. Enquanto isso,
porém, o país possui artilharia suficiente posicionada ao longo de
sua fronteira com a Coréia do Sul,
pronta para destruir a maior parte
de Seul. As armas de precisão de
que Rumsfeld tanto gosta poderiam, sim, destruir Yongbyon. O
presidente Bill Clinton já tinha
pensado nisso em 1993. Mas Bush
não tem como fugir da conclusão
à qual chegou Clinton: dezenas de
milhares de sul-coreanos, além de
grande número de militares americanos, morreriam se Pyongyang
retaliasse. E não há nada que leve
a crer que ele não o faria.
O segundo problema é que mesmo uma estratégia coerciva que
não chegasse ao ponto de constituir guerra dependeria da cooperação dos vizinhos da Coréia do Norte. E eles não querem hostilidades com Pyongyang. A Coréia
do Sul fica nervosa quando Kim
diz que sanções seriam vistas como ato de guerra. A China não enxerga exatamente a coincidência
de interesses estratégicos com os
dos EUA. Apesar de Pequim ocasionalmente ficar frustrada com
os excessos e a imprevisibilidade
de seu Estado cliente, o fato é que
a Coréia atua como amortecedor
importante entre China e EUA.
Parece que já é tarde demais para impedir que Pyongyang adquira poder nuclear. Provavelmente
o melhor que se conseguirá com
uma reformulação são salvaguardas sólidas contra a proliferação
nuclear em troca de garantias de
segurança e assistência econômica. Para muitos em Washington,
um acordo desse tipo seria intragável. Mas uma guerra na península coreana seria ainda pior.
Tradução de Clara Allain
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