São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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"É humilhante", diz brasileiro sobre barreira israelense

DO ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

Cinco palestinos naturalizados brasileiros que vivem parte do tempo em Manaus e parte em uma pequena cidade perto de Hebron, na Cisjordânia, decidiram visitar, anteontem, a delegação de deputados federais brasileiros em viagem oficial aos territórios ocupados palestinos. Em condições normais, o percurso até Ramallah, sede da Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia, levaria cerca de 1h30. O grupo, que viaja com documentos palestinos, demorou oito horas e precisou trocar de táxi nove vezes. É um exemplo das restrições impostas aos palestinos pelo Exército de Israel em resposta ao terrorismo.
"Não podemos circular em nosso próprio território, enquanto os israelenses podem ir aonde quiserem. Em alguns lugares, não podemos nem usar as mesmas estradas que eles. É humilhante", disse Hassan Ahmoud, empresário de exportação e importação.
Segundo Issa Taraireh, dono de uma indústria têxtil na Cisjordânia e de negócios na Amazônia, os palestinos são obrigados a trocar de condução a cada posto de controle israelense e, em alguns locais, precisam andar centenas de metros até poderem pegar outro táxi. "Às vezes, subimos montanhas a pé, carregando malas, porque não temos permissão para andar na estrada", afirmou.
Israel argumenta que os bloqueios e as revistas são necessários para prevenir ataques de homens-bombas. Desde o início da Intifada, grupos terroristas como o Hamas têm enviado suicidas, inclusive mulheres e adolescentes, para se explodirem em Israel.
O governo do premiê Ariel Sharon acusa o líder palestino Iasser Arafat e a Autoridade Nacional Palestina de colaborar com os terroristas por não combatê-los. E afirma que, se a ANP não age, o Exército de Israel precisa ir até os locais de onde saem os homens-bombas para bloqueá-los.
Arafat nega conivência com os extremistas, embora eles façam parte abertamente do mundo político e religioso palestino.
Após o início da atual Intifada (revolta contra a ocupação, em setembro de 2000), o Exército israelense, que havia se retirado das cidades palestinas em cumprimento aos acordos de Oslo, reocupou a Cisjordânia. Há quartéis na entrada das principais cidades, e os soldados, em veículos blindados, entram e saem para realizar ações.
Os acessos a elas estão bloqueados, e seus habitantes só podem se movimentar após serem revistados e obterem autorização, muitas vezes negada, dos militares.
Riad Malki, diretor da ONG Panorama (Centro Palestino para a Disseminação da Democracia), perde compromissos no exterior devido à imprevisibilidade do posto de fronteira. "Na próxima semana, tenho um congresso em Barcelona, mas não sei se poderei ir. Nunca sabemos o que conseguiremos fazer no dia seguinte."

Terrorismo
Há um ano, o governo israelense começou a construir o que chama de "cerca de segurança" para separar Israel das cidades da Cisjordânia ocupada, de onde parte a maioria dos homens-bombas.
Já os palestinos o chamam de "muro do apartheid" e acusam Israel de definir unilateralmente as fronteiras de um futuro Estado palestino. A ANP argumenta que a barreira, com centenas de quilômetros, é ilegal por estar sendo construída em terras palestinas.
A barreira também cerca cidades inteiras, como Qalqilya, com cerca de 45 mil habitantes, isolando-a das térreas férteis utilizadas para o cultivo de laranjas e de povoados que dependem da cidade. Para chegar às suas terras ou aos povoados, os habitantes precisam se submeter ao posto de controle.
O resultado foi um desastre: segundo a prefeitura local, o orçamento familiar caiu em média 53%, 105 mil árvores, principalmente laranjeiras e oliveiras, foram cortadas para a passagem do muro, e poços artesianos, numa região carente de água, foram isolados de seus proprietários. Israel diz ter indenizado as famílias e plantado milhares de árvores.

Retirada de Gaza
Gaza é uma faixa estreita de terra, à beira do mar Mediterrâneo, e que faz fronteira ao norte e a leste com Israel e ao sul com o Egito. É uma das áreas mais populosas do mundo, com 60 mil habitantes por quilômetro quadrado.
Cerca de 70% da população é composta de refugiados ou descendentes de refugiados palestinos que deixaram suas casas em 1948, quando Israel foi criado -foram expulsos ou fugiram durante a guerra árabe-israelense que se seguiu à rejeição árabe da partilha da Palestina britânica feita pela ONU. Os refugiados vivem em acampamentos com casas de infra-estrutura precária.
Antes da atual Intifada, muitos palestinos de Gaza trabalhavam em Israel, mas, com o fechamento da fronteira, essa fonte secou. "O desemprego nos acampamentos é de 70%", diz Yousef Abu Safieh, ele mesmo refugiado de Gaza, apesar de ser ministro do Ambiente da ANP. Os moradores dependem de ajuda internacional.
A maioria dos refugiados tem menos de 18 anos, e, devido à falta de perspectivas, os acampamentos são um local onde grupos terroristas como o Hamas têm boa penetração. Por isso, os acampamentos, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, têm sido alvo de incursões do Exército israelense.
O governo Sharon anunciou que se retirará unilateralmente de Gaza nos próximos meses e desmantelará as colônias judaicas na região. É uma reivindicação dos palestinos, mas a ANP quer que a retirada faça parte de um acordo amplo, com base no plano de paz aceito pelas duas partes, mas não implementado.
O governo israelense sustenta que a retirada diminuirá a tensão na região e dará uma nova dinâmica ao processo de paz. (OD)


O jornalista Otávio Dias viajou a convite da representação diplomática da Autoridade Nacional Palestina em Brasília.


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