São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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ÁSIA

Prisão de jornalistas que noticiaram a morte de um estudante pela polícia reacende debate sobre a repressão da mídia

Chineses contestam censura à imprensa

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A prisão de três jornalistas chineses que noticiaram o assassinato de um estudante pela polícia trouxe novos interlocutores a um antigo debate. Pela primeira vez, quem vem a público falar em censura e liberdade de expressão são chineses residentes no país, e não estrangeiros ou exilados.
A discussão sobre a prática de censura na China ressurgiu na imprensa internacional na última semana, quando o diário "The New York Times" noticiou que jornais chineses haviam suprimido trechos de um discurso do vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, que aludiam à liberdade individual e a temas delicados para Pequim, como Taiwan e Hong Kong.
Mas o caso que chama mais atenção é a prisão, no mês passado, de três editores do "Diário Metropolitano do Sul", jornal da Província de Cantão (sul) que se tornou célebre por assumir uma postura independente em relação ao governo e publicar casos que renderam repercussão nacional, principalmente sobre o abuso de poder pela polícia.
Oficialmente, Yu Huafeng, Li Mingying e Cheng Yizhong foram detidos sob acusação de desviar verbas do jornal. Yu e Li foram condenados a 12 anos de prisão, e Cheng, o editor-chefe, aguarda o julgamento.
Entretanto seus defensores apontam como verdadeira razão da prisão dos jornalistas a publicação de uma reportagem sobre o assassinato, por um grupo que incluía policiais, do estudante Sun Zhigang, um migrante de 27 anos detido por não ter permissão para residir na capital de Cantão. Sun foi preso em 17 de março de 2003 e morreu dois dias depois, numa dependência da polícia, vítima de espancamento.
O governo contesta a acusação e afirma que as prisões foram realizadas porque os três desobedeceram à lei e praticaram corrupção.
Por sua vez, a mulher de Cheng, Chen Junying, afirma que não houve desvio, mas sim um problema contábil. Segundo ela, o jornal não repassou à sua empresa controladora, o grupo Nan Fan, a receita obtida com a venda de anúncios.
"Eles estão usando esse ponto para persegui-los", afirmou ela em entrevista ao jornalista Arnold Zeitlin, que até dezembro passado coordenava uma ONG de defesa da liberdade de imprensa em Hong Kong.
O fato é que o caso está sendo considerado um marco na questão da liberdade de imprensa da China, terreno no qual o país já avançou, mas não o suficiente para garantir aos jornalistas a certeza de que não serão punidos se atravessarem a confusa linha divisória entre o que é e o que não é permitido pelo Estado.
O ineditismo também está nos defensores dos direitos humanos que a questão atraiu. Quem pede a libertação dos jornalistas e afirma abertamente que se trata de uma violação da liberdade de expressão são chineses que vivem no país, e não vozes externas, como costuma ocorrer nesses casos.
A principal dessas vozes é a do advogado dos jornalistas, Xu Zhiyong, que criou uma ONG para, entre outras coisas, propor mudanças em textos legais considerados atentatórios aos direitos humanos.

Ambigüidade
No processo de abertura e transformação que o país vive desde o início dos anos 80, a imprensa ocupa uma posição dúbia.
Quase todas as publicações são controladas pelo Partido Comunista ou pelo Estado, que ainda mantém restrições sobre certos temas contrários ao ideário do partido. Ao mesmo tempo, o governo determinou que os jornais e as revistas têm de se modernizar, ser competitivos e viver à custa de sua própria receita, sem os subsídios do Estado ou do partido.
Foi o que o "Diário Metropolitano do Sul" fez. De propriedade do Partido Comunista do Cantão, o jornal adotou uma linha investigativa, cobrindo casos de repercussão nacional. O resultado foi o aumento das vendas e a transformação da publicação em uma das mais populares do país.
Agora, com a prisão dos três ex-editores, os jornalistas do "Diário Metropolitano do Sul" estão acuados. Além disso, há a expectativa de que o caso, se não for revisto, represente um retrocesso para a imprensa, com a sinalização de que os limites de sua atuação continuam estreitos.
O governo chinês afirma que a Constituição garante a liberdade de expressão e que a lei é respeitada. Mas, apesar de avanços inegáveis, a prática da censura é visível.
As TVs a cabo transmitem as grandes redes de notícias internacionais, como CNN e BBC, mas a programação é interrompida quando há reportagens favoráveis à independência de Taiwan ou sobre manifestações pró-democracia em Hong Kong, dois temas sensíveis para o governo chinês.
Além disso, a TV a cabo não é disponível nos edifícios habitados apenas por chineses. O serviço só existe nos prédios destinados principalmente a estrangeiros.
O acesso à internet é bastante amplo, mas o governo bloqueia determinados sites -sobretudo ocidentais-considerados contrários aos seus interesses.
Recentemente, o bloqueio ficou mais sofisticado e passou a ocorrer em relação a certos temas dentro dos sites. Um dos alvos foi o site da Voz da América, rádio financiada pelo governo norte-americano.
Há ainda a censura a conteúdos eróticos -não há nada semelhante à revista "Playboy" na China, e publicações pornográficas são proibidas.
Entretanto, apesar da rigidez, não há como o controle ser absoluto na internet. Uma busca pela palavra "sex" no Yahoo, em chinês simplificado, resultou em 562 mil sites. Os poucos que a reportagem acessou foram abertos sem dificuldade, e a maioria tinha conteúdo pornográfico explícito.


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